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O cacaueiro e a ecologia

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1994

 

A maior alegria do cacaueiro é quando o jupará leva o sêmen fecundado do seu fruto e o semeia no truvo azul da mata bruta. Assim não aborta a vida das amêndoas que seriam fermentadas nos cochos, secas ao fogo e pisadas pelo homem.

                Nascido, protege ele as nascentes das grotas encachoeiradas, e ainda oferece as forquilhas dos seus galhos aos ninhos dos sabiás.

                As outras lavouras exigem terras exclusivas, desnudas, carne viva, com sacrifício das plantas nativas. Querem solos violentados, mastigados pelos dentes dos arados e grades. O cacaueiro, não. Além de conviver bem com as companheiras, veste a terra-mãe com as próprias folhas, ternamente: filho grato, protegendo-a da violência das águas e dos ventos.

                Jamais se verá uma árvore tão bonita no safrejar dos pomos verdes, amarelos de todos os amarelos, vermelhos de todos os vermelhos, laranjas de todos os laranjas, roxos, empinados seios d’ouro, como se fosse uma árvore de Natal iluminada, sem as lantejoulas do consumismo.

                Dadivoso, oferece o batom aos lábios excitados das mulheres durante o amor. E serve à lavradora dolorida, dando-lhe o pacho rude, feito com os tenros birros, mitigando a dor dos panarícios.

                Muitas vezes o deceparam e o abandonaram, como agora, quando o preço dos seus caroços minguam nas bolsas. Resignados, os cacaueiros brotam e esperam o arrependimento dos homens pela crueldade, enchendo-lhes novamente as burras de dinheiro. Sempre dócil e conformado.

                Aprecia ser plantado nas cabrucas, ou mesmo dentro das selvas virgens, seu berço. Com a resignação dos humildes, não reclama dos jequitibás, cedros, paus-d’alho, virotes esguios, que lhes fazem sombra na ganância dos egoístas. Contenta-se com as migalhas de luz que sobram do festim lá do alto, e ainda divide as pepitas de sol com as orquídeas matizadas, que agasalha.

                O cacaueiro alimenta os nobres, inebria os deuses e mata a fome do menino magro que bate o fruto na pedra e bebe o mesmo néctar das divindades.

                Ecológico e generoso, frutifica a partir do chão, servindo às pacas e cutias, que não alcançam os ramos altos. Mas não despreza os quatis e bandolas marinhadores. E ainda dá abrigo aos passarinhos nos casulos das cabaças ocas.

                Caso os homens tivessem juízo, plantariam mais essências florestais e fruteiras no meio das roças de cacau. E apreciariam os jarrões dos paus-d’arco, das sapucaias, cobis e paus-brasis na primavera. Além dos balaios farturentos dos frutos: cajás, jacas, goiaba, manga, bacuparis. Teríamos, assim, o banquete para os seres vivos, ornamentado com as flores silvestres.

                Se as amêndoas mortas dos cacaueiros valem libras de ouro, poderão elas, no futuro, valer menos que as folhas e troncos vivos na preservação da natureza.

 

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).