O cacau
Euclides Neto
A Tarde - Salvador-BA - 1989
Preço miúdo, seca, atravessadores, política monetária, agora a vassoura de e da bruxa. Cacau sempre foi assim mesmo. Bem sabe quem nasceu os incisivos e os queiros com ele, morando na roça, carregando-o em jegue de orelha caída pelo rodoleiro, acompanhando de vista o que depois soube chamar-se teobroma. Menino que esperava o fim de safra para colher a bonga destinada a ele e à mãe, quando só encontravam uns raros frutos escondidos nos galhos e nas folhas.
Menino que assistiu à família perder as roças para a firma exportadora, depois da torquês dos credores exigindo a doação em pagamento, de tudo — das galinhas do terreiro à estufa lastreada de claraíba preta, cumprindo obrigações no tempo da onça e da honra, valendo o ditado: “O boi pela venta, o homem pela palavra”.
Viu também o lavrador chegar com o cacau seco, correr todas as firmas e ninguém oferecer preço. Nem a troco de bacalhau, quando este era tão desprestigiado que se vendia em barrica e afirmava-se: “Para quem é, bacalhau basta”. E, não encontrando comprador, o produtor despeja-o no Rio das Contas. Ou guardava-o dentro de casa, até que apareciam lagartas, que viravam borboletas pardas. Bilhões de borboletas pardas! E o agricultor ali na roça, firme, comendo o que plantava e criava, fazendo o café no caldo de cana. Querosene do candeeiro, nem falar.
Conheceu cacau no tempo de frieira roedeira, bicho-de-porco nos pés, leishmaniose na canela, festa de São João nos espoucos da 45 papo-amarelo.
Acompanhou todos os altos e baixos do gráfico histórico. Presenciou o Instituto de Cacau no apogeu, fazendo estradas com as galiotadas, pesquisas, extensão rural. Lamentou sua queda e alegra-se com a sua brotação, agora, pelas mãos sábias e santas do professor Fábio. Acompanhou o nascimento da Ceplac e o esplendor com Brandão do Banco do Brasil, continuando com Zé Haroldo e todos os seus técnicos de ilibada probidade e competência.
Aplaudiu quando eram descontados os 15% do valor da venda das amêndoas, destinados à Ceplac, que os aplicava em crédito, tecnologia, escolas, vicinais, empregos, moradias, mas deixando os grandes produtores revoltados com a forçada distribuição de renda. Desta revolta surgiu a guerra que rebaixou a taxa para 10%, transformando-a depois em imposto de exportação e, agora, tudo suspenso, inviabilizando a Ceplac, para deleite de quem não pode confessar as suas intenções.
Por coincidência, ambos (Instituto e Ceplac) sofreram duros golpes, com “morte súbita”, quando entraram na comercialização, sendo que a última foi mais agredida ao estimular as cooperativas e a industrialização através da Itaísa.
Toda esta conversa é para dizer que os lavradores furem a onda, aguardem com paciência e resignação. Cacau ainda é o melhor negócio da agricultura. Plantado uma vez, é quase eterno. Com bruxa e tudo.
Não vendam suas roças. Nós, tabaréus tímidos e desconfiados, farejamos coisa no ar. Evidente que há exagero no agricultor da feira de Ipiaú; semana passada: “Seu doutor, será que estão desmoralizando o cacau pra tomar nossas roças, assim como se bota defeito no burro para comprar barato”.
Tempos piores já atravessamos. Saramos todas as perebas. Vencemos as execuções, a ferocidade dos contratos das firmas atravessadoras, onde se incluem cláusulas de prisão em caso de inadimplência — coisas do mercador de Veneza. Mesmo assim, nunca demos prejuízo. Os apressados, os que não tiveram coragem de empobrecer durante algum tempo, jogaram fora as suas plantações. Estão arrependidos. A tempestade passa. Apertemos o cinto.
Venceremos até a bruxa e a sua vassoura. Vamos fortalecer as nossas cooperativas e rezar para que a Ceplac volte à trilha, aproveitando a prata da casa.
Com certeza, tudo vai melhorar. Cacau é assim mesmo. Jamais teve lógica. Não há mal que sempre dure. E esta crise já demorou demais.