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Meu Caro Clodomir

Euclides Neto para Clodomir Xavier de Oliveira

Fazenda Diamantina-BA - 1981

 

               Dê- cá-lá-cinco!

                Livro bom, sem ser good, porque superior.

                E será um clássico – se já não o é – na região do cacau.

                Explico-lhe porquê:

                Não se preocupando com as fanfarronadas, quase sempre inventadas por quem não conhece bem a zona, pega o eito do começo até o fim, no rojão seguro, descaroçando os casos, trazendo-os de mansinho, no viajeiro travado. Despretensioso.

                 Gostei, gostei mesmo. Li de um gole sem cuspir no chão para não perder o gosto que ainda me está na boca.

                 Obra à Xavier Marques, que talvez não exploda no sucesso, mas fura os tempos: lida, comentada, estudada, consultada. Sem búzios nem sirenes. Na surdina de viola bem cantada.

                Até Rui Barbosa está inovado. Sem adjetivos, virou personagem grapiúna, passou a ser Dr. – que ninguém chama – misturou-se, para a sua honra, com Dr. Chiquinho, Ludovico, Zé Colosso e os Nemeus, pros homens de Itapira. Sem falar no lendário e sábio Pirajá da Silva, em carne e vísceras.

                Romance bom pra mim é o que me arrepia no descascar da leitura. Confesso que isto ocorreu diversas vezes com a sua Pulu. Primeiro, quando vi o esquipador Passarinho – o mesmo nome do que trouxe meu pai, minha mãe e seu criado do Norte, para as bandas das Tesouras, também conhecida por Ibirataia! Norte, já se vê, ali do Jenipapo, comercinho peco do município de Ubaíra.

                Menino armador de laço, arapuca e mundéu, não me contive ao encontrar a verga da armadilha pegando bichos de pena e cabelo.

                Tudo por um perítimo escritor. Que , no entanto, não foge ao mestre, dando-nos aulas nos enredos do negro Ludovico, fugindo para o oeste, deixando os braços piúcos dos brancos lá nos engenhos de fogo apagado. Isso é coisa nossa, de tesantronte, cuscus de milho integral, antes dos enlatados. Que mostra às fls. 187 a verdade óbvia e eterna: “que se tem de preparar as crianças na escola. Ensinando democracia; ensinando civilismo. Com teoria e prática. Quem vai fazer isto? Quem pensa nisto?” Os “torre de marfim” que se danem!

                O “odor de fêmea” de Zola naturaliza o amor de Sebaste, correndo como uma leitoa no alvoraço atrás de João, sem masturbações intelectuais, seta a violência dos tarados, antes amadurecendo o fruto, minando a fonte. No conheço nada mais poético na língua portuguesa (pode até parecer exagero!) do que Pulu cantando, depois da noite de núpcias, manhãzinha, coando café!

“Xô arara, arara xô!

Arara da Bahia

Arara do meu amô”.

 

                Creio ter sido Eça de Queiroz quem dissera que a poesia dos trópicos se resumia nos versos de Castro Alves: “Quando o sol nas matas virgens a fogueira das tardes acendia”. Cito de memória. Pois bem! Perdoem-me os letrados! Sou mais Pulu depois do amor. O amor de Pulu é a vida do gato que, em caso de incêndio, se deve salvar antes do quadro de Rembrandt.       Não há vulcões nos poentes nem trovões apocalípticos. Vê-se neblina boiando no Rio das Contas, ondas jogando tarrafas rendadas na praia. Xavier Marques perdeu para o crioulo de Ubaitaba, quando o velho Chico fala dos mistérios do mar.

                 Houve uma perfeita baldeação de raças no romance. Verdadeiro milagre na escriturado Tabelião Clodomir. Ludovico entra na festa do livro, junto com João, e sai da folia sem se saber quem é preto e quem é branco. Não se sem insinua, sequer, a surrada “sem diferença de cor” de quem a menciona, traindo-se, quando tenta mascarar o racismo. Ludovico até mostra mais sabença que o mulato Rui Barbosa.

                 Livro bem fermentado, pisado, corrido no rodo, catado de sibiras. Agradável de ler como história que termina bem sem pieguice de telenovela.

                 Quantas pulus conhecemos nós, aqui pelo Rio Novo, Barra do Rocha, Tesouras, Itapiras, enfim; apanhadas nos portos de canoas, nas vendas-duas-portas-beira-estrada-balcão de-tábua-de-caixão-na-frente-dono-dormindo-nos-fundos, casadas depois de dar-certo pela lei do Padre Fileto. Pulus que se transformaram em pé-de-boi no roçado do fazendeiro; matando-lhe ainda a solidão dos boqueirões truvos; esquentando-lhe nas cruvianas dos invernos. Você registrou Pulu no cartório da região do cacau, casando-a com João, antítese dos maus que muitos de nós tificamos como o homem da saga do teobroma, com licença da má palavra. João que, ao invés de assassinar o desafeto Mané Baio, oferece-lhe a liberdade. João, enfim, o Bom-Homem-Ricardo de outros tempos, hoje finado.

                 Livro superior, repito, seco ao sol da realidade, veia límpida de licuri, cheiroso, em que se contam cem caroços, corta tudo com o canivete da especulação e não encontra um mermado. E que não precisou ser baldeado com banha e garrafa para receber classificação. Fiquei duvidando foi da vantagem de renovar roça velha no conselho da Ceplac. Precisa não. É só dar um trato e tempo e aí se colhe safra e temporão, lascando o galho: Clodomir Xavier – o setentão.

                 Até o reparo do adventício “mutirão” ficou corrigido em outras passagens pelo adjutório ou adjunte. Alimária, ilharga e ginete em animal de Faisqueira corre por conta do incorrigível professor.

                Parece que o nosso “Os Genros” deixou o chaboque e vai ser lançado n'água. Iemanjá o acompanhe.

 

O tabaréu

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).