Mestre Nezinho
Euclides Neto
Desconhecido - Ipiaú - Ba - 1985
Se há vinte e três anos não havia agrônomo nem veterinário – profissionais diretamente ligados à terra –, quanto mais engenheiro civil. Pioneiros sempre foram os médicos e dentistas. Em seguida, os advogados. Sem falar no padre, quase sempre o primeirão: Os de ametista no dedo por aqui só passavam, planejando e construindo estradas. Residente, nenhum engenheiro. Tanto que, quando solicitávamos ajuda aos órgãos superiores, dávamos mais peso ao chamado recurso humano, que não tínhamos. Basta dizer que todo o Centro Agrícola de Educação, com as suas duas dezenas de salas de aula, foi projetado por arquiteto amigo que nada cobrou. E de Salvador.
Afora isso, Mestre Nezinho, é que calculava, media, desenhava, urbanizava e fiscalizava – pau para toda obra, na exata expressão do termo.
Encontrei-o trabalhando para a Prefeitura sob contrato ou qualquer atípica relação de emprego. Fi-lo funcionário com direito a estatuto. Nada mais justo. Era ele também quem balançava as marquises, então em moda, traçando-lhe, bem verdade, os ferros com mais fartura que os cálculos poderiam exigir. Seguro morreu de velho! Todas as lajes do tempo tinham a sua supervisão e nunca arriou uma. Se estudou cálculo a resistência dos materiais, não sei, mas zelo e prática ali estavam. E com o seu garboso CREA, devidamente legalizado e aposto nas vistosas placas.
No passo medido, rolo de planta ao sovaco e trena na mão, lá passava Mestre Nezinho: calmo, tranquilo, quase lerdo, voz de paina, silencioso nas atitudes e relacionamentos. Jamais o vi elevar a voz. Não teríamos feito os bairros populares sem ele. No trabalho estafante de entregar os lotes que, mal eram medidos, os donos já nos pisavam nos calcanhares. Mestre Nezinho sempre inalterável. E lotes-chácaras, lotes-industriais – eis que a fazenda, hoje da família Valdomiro Barreto, foi toda loteada – destinados ao primeiro Centro Industrial do Interior da Bahia (antes do de Conquista, Feira, etc.) eram vendidos e traçados, infelizmente anexados na fazenda originária, encurralando a cidade, fazendo com que as pequenas indústrias se espalhem desordenadamente.
Dezenas de plantas desenrolavam-se ante Mestre Nezinho, e ele interpretando, executando, dirigindo; substituindo arquiteto, engenheiro civil, elétrico-calculista, paisagista, urbanista.
É correto. Corretíssimo – traço do seu caráter.
Nunca soube – e boto a mão no fogo – de Mestre Nezinho haver se aproveitado da posição privilegiada nas obras e loteamentos para ficar com uma nesga de terra em qualquer bairro. Sua casa, ao pé da ladeira da rua do Cacau, levou anos, anos, no osso, no tijolo cru, sem piso, inacabada. Ele que lidava com milhares de sacos de cimento, que construímos juntos cinquenta salas de aula ou mais, quilômetros lineares de calçamentos, levantamos prédios, compramos fechaduras em caixas, centenas de metros quadrados de pisos, portadas, forros. A casa continuava no mesmo. Inconclusa. Sua esposa – uma santa! Suportava e aplaudia a correção do marido.
Mestre Nezinho! Quantos daqui a algum tempo se lembrarão de você? Quantos ainda se recordam já hoje, do seu andar pensativo, cabeça baixa, rosto largo e sereno, sempre de chapéu, roupas simples de brim cáqui, não raro respingadas com massa de cimento, andando pelos logradouros, edificando Ipiaú que atualmente usufruímos? Talvez só as paredes, as marquises, os modestos frontispícios, os prédios comerciais, as residências, os que foram argamassados com o seu suor, levarão pelos tempos adiante o testemunho da sua competência. A você Ipiaú deve muito, mesmo com as limitações dos conhecimentos teóricos, substituídos por uma pletora de profissionais da politécnica: com humildade, espírito público, vivedor, dos melhores e úteis à comunidade.
Bilhete para a Câmara de Vereadores: se não tem, Mestre Nezinho cobra nome de rua, com placa, estátua e todas as honras de muito merecimento.
*Data e mídia a confirmar