Lição do mestre Thales de Azevedo
Euclides Neto
A TARDE - Salvador - BA - 1995
Tabaréu, confesso que me arrepiei quando li o curto e esplêndido artigo de Thales de Azevedo, “A voz do Interior”, em A TARDE, de 14.04.95. Nunca vi nada tão bem sumulado. Pensei em transcrever alguns trechos para comentá-los. Verifiquei que teria de transcrever toda a lição. Falta espaço.
Muita gente retorna do Ilhéus, Itabuna, Conquista e diz: “Voltei do interior”. Ora, Deus do céu, tais cidades são capitais, com tudo que a capital tem. Interior mesmo é o que está atrás das estradas de rodagem: nas grotas, no ermo das matas, nos brongos, aonde carro não vai. Donde menino sortudo sobe uma Serra e desce outra, andando légua e meia, para topar a escola da heroica professora leiga. Onde as mulheres parem na gamela, assistidas pelas parteiras, que ainda amarram o umbigo do pegado com um pedaço do cordão da própria anágua. Por onde andam grupos de leprosos no nomadismo sem esperanças. As professoras ganham meio salário mínimo. Gastam, trimestralmente, um ordenado para receber dois, na sede municipal. Onde ofendido de cobra amarra correia de veado acima da picada, bebe um copo de leite de pinhão e deixa a companheira viúva.
Onde não se registra mulher, “porque ela não serve pra nada”, como dizem em alguns lugares. Só os homens são aproveitados para o êxodo rural. Tudo isso ainda acontece na Bahia.
Não me contenho e vou transcrever um trecho do mestre Thales: “Na verdade, o Interior só é ouvido pelo voto interesseiro dos políticos. Pouco ou nada mais, na Bahia não há nenhum plano que inclua o Interior. Tudo é visto em termos imediatos da capital”. Mais adiante enfatiza “... se fala muito em planejamento, o que os governantes e políticos têm em vista é a capital”. Reparem que o enunciado é do insuspeito professor emérito, sem ligação com partidos. Escreve como quem usa uma pinça, para não ter contato com a pereba apostemada.
Seria bom se o texto de Thales de Azevedo fosse gravado, em letras graúdas, e afixado na praça dos Três Poderes, no palácio dos governadores e nas assembleias, para que os políticos o lessem diariamente.
FHC já aconselhou que os ministros conheçam o Brasil (aliás, não deveria escolher os ignorantes da sua realidade). Contanto que não seja de jatinho, exigente do campo de pouso, longe do que precisam ver. Nem com aviso às autoridades locais, que pintam o meio-fio e mandam as crianças mais rosadas para a recepção. Porque, após o banquete e o uísque importado, o ilustre leva a impressão de que esteve no interior da Suíça.
Se soubessem do sofrimento da Bahia e do Brasil, talvez mudassem de comportamento.
Muito obrigado, professor emérito Thales de Azevedo!