Irmã Cecília
Euclides Neto
Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1994
Aparentemente é mais um caso de tentativa de homicídio, igual a tantos outros que acontecem por aí, diria o policial ou mesmo o advogado não comprometido com a causa social.
Mas a tentativa contra Irmã Cecília é diferente. Trata-se de mais um delito da classe poderosa, que se julga dona de todos os bens materiais e da própria vida humana. É a elite que compra votos para deputados. Que elege governadores que se enriquecem no poder. Que gera juízes que votam a favor de Collor e contra a medida do presidente que pretendeu moralizar os salários dos roedores do erário.
Mas quem é Irmã Cecília? Conhecia-a defendendo trabalhadores rurais ocupantes de terras, antes invadidas por certa empresa exploradora de celulose, esta falida, após meter no bucho US$ 350 milhões do BNDES.
Pequena, aparentemente frágil, valente no melhor sentido de quem expulsa os vendilhões do templo. Muito jovem, quase uma menina, e extremamente simpática.
Depois, a EPABA mantinha em Itiúba uma Estação Experimental, abandonada há muitos anos. Apesar de localizada na caatinga, as terras eram férteis, com uma excelente barragem. Construções em ruínas, mas aproveitáveis. Oásis naquele sertão. Um fazendeiro vizinho se aproveitava das soltas e dos pastos, esperando ser dono de tudo. Nada mais justo que os sem-terra ocupassem o chão largado. Não faltou quem convocasse a polícia e esta, inadvertidamente, expulsou os trabalhadores.
Irmã Cecília procurou novamente a Secretaria da Reforma Agrária, sempre acompanhada da advogada Conceição, outra brava, pedindo providências e a manutenção dos lavradores onde já estavam plantando. Queriam somente a terra, a água e a paz desperdiçadas pelo próprio sistema de exploração agrícola. Mas era no tempo do Governo Democrático de Waldir Pires, quando se respeitava a cidadania dos mais fracos, que logo voltaram às roças.
Pois bem, Irmã Cecília foi baleada numa tocaia, há dias. Certamente batalhava pelos posseiros. Em sua correspondência a mim dirigida, agora, de Itiúba, conclui: “É doloroso fazer experiência de que o poder dos coronéis realmente mata... E, a bala que fratura a perna, mexe também com a cabeça”.
Como mexe, caríssima amiga. Bole com quem conhece essa realidade interiorana. E tem esperança em uma Bahia civilizada, menos arcaica e malvada, menos coronelista. Só não mexe com os insensíveis que fazem obras suntuárias com o dinheiro do povo, enquanto o estado é palco de todas as misérias onde se fecham hospital, como se fez agora com o estadual de Ipiaú. E são contra a reforma agrária, esperando certamente um Zapata tupiniquim.