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Hora de julgar

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1993

 

                No dia 6 do corrente, a Fazenda do Povo, em Ipiaú, fez 30 anos. Modesta experiência de reforma agrária, vale mais como um símbolo. Abriga, em 167 hectares, 75 famílias plantando hortaliças e cereais.

                Ali continuam velhos que venceram os 85 anos e estão desde 1963. Trabalham crianças de até quatro aninhos. É o caso de Marcelo, que não frequenta ainda o Jardim de Infância, mas tem sua pequena horta de verdade ao lado da família: pais, avós, bisavós, tios e primos. É a grande Escola Informal do Trabalho.

                A Fazenda do Povo resistiu aos tempos políticos e ideológicos. Argemiro, Fião, Cipriano, João Bispo, Ulisses, Maria Romana e outros envelheceram na labuta. Agora mesmo, Cipriano está fazendo a casa para o filho o caçula, ao lado da sua. Não quer que a nora dê à luz longe do avô. Dr. Wilson, antigamente chamado Tõe, primeiro presidente do Clube 4S de meninos, hoje é advogado, sem deixar de ser horticultor.

                Os processos militares movidos contra quem a criou e implantou estão sepultados no esquecimento, escabreados.

                A igreja do padroeiro Santo Antônio, construída pelo padre Xavier, eleva-se como uma catedral no centro do que hoje já se transformou em vila. Funcionam três salas de aula, em seis turnos. Existe irrigação manual, empregando centenas de braços, feita pelo prefeito Hildebrando Nunes Resende.

                Sem qualquer mágoa, gostaria de convidar o general Costinha, então comandante da VI Região Militar, para uma visita. Somente com o intuito de demonstrar que a melhor solução para gerar emprego, comida, evitar o êxodo rural e a violência urbana ainda é a distribuição de terras ociosas. Estimaria trazê-lo com Lomanto Júnior, atual prefeito de Jequié, a quem presto uma homenagem pela coragem demonstrada naquele dia. O militar, que fora conhecer a região, perguntara, na entrada da sede municipal:

                — Que cidade é esta?

                Alguém respondeu que era Ipiaú. Ríspido, o verde-oliva retrucou:

                — Ah! É aqui a Fazenda do Povo e o prefeito é comunista?

                De pronto, o governador Lomanto Júnior, arriscando o próprio cargo, respondeu:

                — Se o prefeito é comunista, também sou.

                O militar enfarruscou o cenho. Era um desafio inaceitável. Mandou parar o carro, saltou e pediu outro transporte para voltar a Jequié, retornando a Salvador. O governador permaneceu na cidade, ao lado do bisonho prefeito. Isto em pleno 1964!

                Bom assistir ao desfiar dos anos, para, três décadas após, afirmar que, se em toda a região cacaueira existissem muitas fazendas do povo, não haveria desempregados, sobraria comida, o comércio teria a quem vender, e os problemas, ainda não resolvidos, teriam melhores soluções.

                É hora de julgar!

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).