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Fórum nacional da reforma agrária

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1990

 

Tanta era a vontade de fazer a Reforma Agrária que chegamos a acreditar no governo Sarney. Mesmo porque o ministro Dante de Oliveira veio à Bahia, logo após a posse do governador Waldir Pires, assinar convênio pelo qual o Estado seria responsável pelos assentamentos, com recursos previstos nas cláusulas estabelecidas. Logo depois, Dante saiu — não se conformara com os cinco anos para Ribamar. Começou então, a entrar, morrer em acidente e sair ministro. Percebemos que o enfastiado maranhense não queria reforma coisa nenhuma — muito menos a agrária. Mais grave: era contra. O Ministério da Reforma Agrária não passava de um jarro chinês para enfeitar a mesa da festa que se chamava democracia. Tanto que extinguiu o Ministério e o Incra, alterando a legislação, modificando para pior o Estatuto da Terra. Em Brasília, não se sabia a quem procurar. O ministro da Agricultura, Íris Resende, que absorveu o da Reforma, estava mais preocupado com as oscilações gráficas da produção de grãos, sustância do seu frustrado projeto à presidência. Os bons funcionários do extinto Incra, em estado de morte clínica, ficaram desencantados, rodando na cadeira, olhando pelas janelas os fugitivos horizontes de Brasília. Pasmaceira. Pior que as atitudes explícitas de parar tudo, era o descaso, a indiferença, sobretudo em relação à Bahia, brigada com Sarney. Um iceberg teria mais calor ao receber alguém.

Antes de Íris, Jáder Barbalho, denunciado por falcatruas, como até hoje, insinuava que a postura de Waldir Pires, de quem se dizia grande admirador, dificultava qualquer entendimento. E o convênio assinado por Dante virou letra sepultada. A situação era penosa. O governador da Bahia, inconformado com os desmandos federais, protestava com a demissão de ministros baianos, a negociata da Nec, o rompimento do contrato da Globo com a Aratu, os cinco anos fatídicos para Sarney.

A situação não andava fácil. A retaliação trazia efeitos imediatos, corte de créditos, não rolagem da dívida de Pedra do Cavalo, trancamento dos financiamentos da Caixa Econômica Federal, entrega do Incra da Bahia à oposição ao governo, demitindo Arruti, até ali uma figura exponencial da reforma agrária no Estado, tudo sentido na carne pelo povo, cujos efeitos eram explorados pela direita fisiologista e pela esquerda do contra que, refiro-me a esta, ao invés de apoiar a resistência, aproveitava as consequências para desestabilizar.

Por fim, veio a convenção do PMDB, na qual Waldir disputa a candidatura com Íris. Este perde, fragorosamente. Complicava tudo.

Fomos à Contag, em Brasília. Apresentamos nossas preocupações. Também ela, combativa e responsável, presidida por Aloísio, empenhado e hábil, estava desiludida: — Não adianta, vamos esperar o outro governo. Agora não dá. Mesmo assim, estaremos na luta.

Voltamos à Bahia e metemos mãos à teimosia. Convocamos todos os secretários de Estado responsáveis pela reforma. Partiram telex e cartas explicando as razões do apelo. Na cauda deles, os telefonemas, carregados de sinceridade e emoção: — Companheiro, o Governo Federal acenou a reforma agrária, estimulou e criou expectativas junto aos trabalhadores e agora não quer nada. Ficamos com os sem-terra acampados na Secretaria, único meio que têm para fazer o seu justo protesto.

Do outro lado da linha, vinham as queixas, aceitando o convite.

Marcada a data do primeiro encontro, estávamos na capital Federal, criando o Fórum Nacional da Reforma Agrária, cabendo à Bahia a coordenação. A primeira reunião, com poucos secretários. Somente oito. A segunda, bem mais gente. Depois, quase todos. Apresentamos Projeto de Lei Complementar para ser apreciado no Congresso, onde estivemos por mais de uma vez, incorporados, pressionando. E não deixamos o ministro Íris Resende em paz, convocando-o, debatendo, cobrando posições, evitando, inclusive, nomeações desastrosas. Chegamos a conseguir algum recurso, mas o goiano escorregava mais que lampreia.

Deixamos a Secretaria e agora temos notícia que o Fórum se reuniu em Fortaleza, com dezenove secretários e a presença do nosso Dr. Sylvio Faria. Que teve o gesto raro de manter todo o quadro funcional deixado por nós. Que continua recebendo, com atenção e respeito, a todos os trabalhadores que procuram o órgão. Que agora, em Fortaleza, assinou o documento valente e duro, pelo qual “torna público à Nação brasileira o descaso, insensibilidade e omissão do atual governo para com a Reforma Agrária, ao tempo em que por unanimidade das representações de dezenove Estados presentes, decepcionados com as autoridades federais que ao longo dos últimos noventa dias nada apresentaram de concreto, resolve solicitar providências ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República”.

Bravo, Dr. Sylvio Faria. É sinal de que a nossa terra está viva e querendo reforma agrária.

O Presidente Collor, que tem abusado das medidas provisórias, bem que podia, se realmente quisesse, editar uma que cumprisse o estabelecido no artigo 184 da Constituição, quando trata da Política Agrícola e Fundiária, e da Reforma Agrária. Será que ele está com medo do ditado: “Quem com muitas pedras bole, uma lhe dá na cabeça?”. E essa é pedra do tamanho de uma montanha!

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).