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Êxodo Rural

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1998

 

Já tem gente do governo planejando trazer os catingueiros da sua terrinha para morar nas cidades médias – meio de resolver o bolsão de miséria (quatro milhões de baianos, um terço da população), denunciado pelas Nações Unidas.

Seria, então, oficializar o êxodo rural, tão condenado por todos. Esse tipo de desconhecimento da realidade social é a maior causa dos nossos males.

Imagine-se arrancar o sertanejo do seu terreiro e trazê-lo para a periferia de uma cidade. Digo periferia, porque o Centro já está entupido. Aí se faria toda a obra milagrosa da infraestrutura: casa, escola, posto médico, transporte, esgoto, água na torneira, calçamento, lazer. (Deus tá vendo!). Tudo bonitinho, pintadinho, inauguradozinho, com discursinhos e os lucrinhos pojados das empreiteiras. Todos agasalhados nos seus aprazíveis Conjuntos Habitacionais. Como arranjar emprego, com a televisão ensinando como roubar, matar, traficar, mais eficiente que a escola. Sobretudo emprego para urna mão de obra não especializada para a cidade, porém capaz de sobreviver com suas pequenas roças e criatório de cabras. A episódica falta de trabalho lá, por falta de chuva, não é maior que a permanente em Salvador. Nem a fome.

Onde existe mais miséria? Certamente é na choupana de papelão e tábuas velhas, dependurada no morro, que rola a cada chuva, e na beira do esgoto, que alaga com qualquer chuvisco, mesmo tendo à vista o hospital e a escola que não têm vaga, a água encanada que não chega.

Não podem somar o per capita dos miseráveis de uma invasão urbana com o dos ricos dos bairros de luxo para tirar a média e comparar com a renda do catingueiro do Raso da Catarina.

É mais humano acudir o bolsão de miséria, que já tem casa arejada e mais trabalho, fornecendo-lhe água, que às vezes passa pelo terreiro e não pode tirar um caneco porque vai para cidade encher piscina e lavar carro. É mais barato que enfeitar a Estrada do Coco para alegrar os olhos dos do bolsão da riqueza, aumentar os assaltos, sonhar com um turismo que não chega na proporção dos investimentos. Sem falar em outros gastos não prioritários –propaganda governamental, só para citar um. O cabuloso projeto é mesmo que reunir os índios nas bordas de Porto Seguro, para metê-los no bolsão de miséria que lá está.

Sabem tudo. Só não sabem o óbvio. Se pudessem trariam até uma fábrica de bombas atômicas para a Grande Salvador, financiada pelo governo, concentrando mais a renda da Bahia, gerando, não a distribuição da riqueza por todo o seu território, mas os problemas do confinamento humano.

Os fidalgos dos gabinetes não conhecem o gozo do lavrador de criar, plantar e colher. E imaginam que os valores da sua felicidade são os mesmos. Daí ameaçarem violentar até a liberdade de onde o comedor de bode morar.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).