Entrevista durante o lançamento do romance Machombongo em Salvador
Euclides Neto
A TARDE - Salvador - BA - 1988
Em tarde de autógrafos às 17h30, o escritor Euclides Neto lança o seu mais recente romance, intitulado Machombongo, na sede da Academia de Letras da Bahia (Nazaré).
Assim se expressa Hélio Pólvora sobre Machombongo: “Equilíbrio feliz entre o documento social e o ficcionismo. E, além da evolução das situações, que estão bem encadeadas, comportando um plot e narrações paralelas, Machombongo distingue-se pela linguagem, algumas vezes oral, outras vezes recriada com aquela alquimia, que caracteriza, por exemplo, a ficção de Adonias Filho. Grande romance de histórias acontecidas, este Machombongo. Tem tudo para se tornar logo um clássico dos nossos sertões”.
O livro e uma edição da Cacau Letras na coleção “Adonias Filho”, com capa do xilógrafo Cyro e traz na capa uma breve apresentação crítica do escritor Jorge Medauar. Aqui, o escritor Euclides Neto traz em seu depoimento revelações, que passam a ser agora conhecidas do público, como os aspectos da sua criação, suas preferências literárias e fala-nos um pouco do deputado Rogaciano, figura odiosa do seu inventário ficcional. Entrevista a Teresa Bacelar.
T.B. - Como e quando começou a escrever romances?
E.N. - Aos 18 anos, estava longe de casa, relia “Meus Oito Anos”, quando senti um apertucho nas carnes e nervos. Vieram-me lágrimas e tive que escrever a vida que gostaria de ter na roça; junto dos bichos, árvores e do berimbau tocado pelo companheiro de infância Abílio. Nasceu “Berimbau”, o mais velho.
T.B. - Também escreve poesia?
E.N. - Escrevi, quando era mais puro de alma – já vão longe os passados.
T.B. - Qual o primeiro romance que leu?
E.N. - Foi o Guarani, deglutido em uma noite, com a dona da pensão reclamando: “Apaga essa luz, menino, vai dormir, olha a conta!”
T.B. - Quais os romances brasileiros e estrangeiros que mais aprecia?
E.N. - Brasileiros: Cortiço, Banguê, Os Ratos, São Bernardo, Terras do Sem Fim, Pareceres do Tempo, Viva o Povo Brasileiro, Grande Serrão: Veredas; estrangeiros: Ana Karenina, Eugênia Grandet, Primo Basílio, Servidão Humana, A Peste, Jean Cristophe, Grande e Estranho é o Mundo, Levantado do Chão, aliás, tudo que é de Saramago.
T.B. - Como costuma escolher os títulos de seus romances e os nomes de seus personagens?
E.N. - Escolhe-se o título de um como se procura o nome de um filho. Com muito zelo. Às vezes, ele aparece no meio do cascalho das ideias, brilhante e denso.
T.B. - Prefere situar seus romances num passado distante ou num passado recente?
E.N. - O tempo é como o mármore; interessa pouco. O importante é o que se esculpe nele.
T.B. - Julga que sua literatura é participante?
E.N. - Toda literatura é participativa, inclusive a deste modesto escriba. Não sendo, deixa de ser literatura, vira palha, sem sustança, sangue, nervos. Morta.
T.B. - Em que horário escreve os seus romances?
E.N. - Quando as veias enchem e haja o tempo que outras preocupações maiores não tomam. Não há horário certo, portanto.
T.B. - Escreve a máquina, a lápis, ou esferográfica? Ou dita?
E.N. - Esferográfica e lápis.
T.B. - De seus livros, qual o que prefere? Será Machombongo?
E.N. - Prefiro Os Magros. Machombongo satisfaz na medida em que ajudou a enxaguar meu sentimento de culpa.
T.B. – Embora, em Machombongo, o deputado Rogaciano não seja flor que se cheire, não sentiu algum prazer em criá-lo?
E.N. - É possível. Como você viu, o deputado Rogaciano era mau e prestigiado antes de 1964. Depois é que ele começou a mandar mesmo em sua área de influência – dono que foi do bem, do mal, da vida, da morte e da honra. Prazer em criá-lo? Sei, não. Modestamente, como me cabe, o máximo que tenho conseguido (se o consegui) foi prestar um mero depoimento do meu tempo, narrando fatos e desacatos – sendo mais um fotógrafo lambe-lambe do que um pintor, capaz de transformar as impressões em arte. Basta-me desafogar também a pressão íntima das acontecências espiadas, escutadas, lembranciadas e até sonambuladas. Talvez tudo isso sirva para alguma coisa.
T.B. - Já está preparando outro romance?
E.N. - Sim. Título Capim Canoão, história de um sujeito que só pensa no lucro.