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Economia de mercado I

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1993

 

                A PCC (Papel e Celulose Catarinense) do grupo Klabin “retoma o desenvolvimento do Brasil”, é o que diz a manchete da festa de inauguração da fábrica. Foram absorvidos 300 milhões de dólares na sua implantação certamente com muito empréstimo de banco oficial, que deveria ir para plantar feijão e mandioca. Mas isso é outra história.

                É o maior empreendimento do gênero da América Latina. Fabrica papéis tissue (higiênicos, guardanapos, toalhas de papel, lenços). De qualidade que satisfaz os exigentes mercados internacionais — inglês, belga, francês. São produtos que levam os selos By Appointment of Her Majesty.

                Só uma máquina custou 50 milhões de dólares (lá vão divisas). Claro que é informatizada, com o que há de mais moderno em hi tech. Empregando o menor número possível de operários para baixar o custo e aumentar a competividade.

                À inauguração compareceram autoridades, governadores e colarinhos alvíssimos, branqueados com os produtos da Tibrás. Fabricará celulose tipo fluff, empregada em fraldas descartáveis e absorventes; e papel kraft, que deve ser esse das caixas de luxo que custam o preço consumista dos supérfluos que contêm.

                Possui ainda 34.500 hectares de florestas.

                Quase tudo para dar mais conforto às mucosas louras de Além-Mar, usuárias dos delicadíssimos papéis higiênicos, absorventes femininos, fraldas de pimpolhos bem nutridos. Os grandes, os pequenos e os lábios propriamente ditos pedem descartáveis macios como as nuvens. Sem esquecer os respectivos de sua majestade, como sugere o selo. É o mesmo que acontece com produtos agrícolas de exportação.

                O chefão da empresa, cônscio dos altruísticos desígnios da sua obra, discursou condenando “a transferência de recursos tributários para os municípios”. É petulância demais. Ainda doutrinou “nossos aumentos de consumo têm sido frágeis, sem sustentação”. E conclui patrioticamente: “Convido-os a todos a arregaçar as mangas e mudar esse país. Aqui está nossa Papel e Celulose Catarinense como exemplo de fé, coragem, perseverança e dedicação. Um bom começo para o Brasil melhor”. Pelo dito, ai em que dá o neoliberalismo da economia de mercado. Enquanto isto, o nosso povão não tem cadernos para estudar, e jamais usará os delicados papéis higiênicos e absorventes.

                Tem mais: a CCB (Companhia de Celulose da Bahia), que também absorveu 350 milhões de dólares do BNDES, faliu e não pagou. A mesma Klabin arrematou tudo por 27 milhões de cruzeiros (27 mil reais) e mais 10 milhões de dólares, pagáveis Deus sabe como.

                E ai! de quem disser que estamos dissipando recursos com esse tipo de indústria do consumismo, que além de tudo é altamente poluidora, como a outra — a dos alvejantes. Depois conto o resto.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).