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Donos do sobejo

Euclides Neto

Gazeta do Sudoeste - 1996

Elogiando a capacidade dos estrangeiros, ouvimos sempre que os gregos plantam em terra que carregaram de longe e botaram sobre as pedras. E que os japoneses fazem o mesmo, cobrindo suas rochas vulcânicas. Isso é que são povos! Sem dúvida nenhuma; dão o melhor exemplo. O nipônico, que antes importava toda a madeira que consumia, até palitos, hoje é exportador da que foi cientificamente lavrada nas escarpas. Tudo feito com a pesquisa e orientação técnica sofisticadas.

Quem já observou o trabalho que os lavradores realizaram nas imediações da barragem que abastece Jequié? Certamente passa despercebido. Não veem mais que toscas leiras de coentro, alface, cebolinha verde.

Não reparam que os plantadores aproveitaram o subsolo dos cortes da estrada, terrenos imprestáveis, portanto. Que fizeram? Criaram outro chão fértil e produtivo. Como? Com crédito bancário, assistência técnica, recebimento de sementes? Nada disso. Usaram somente a criatividade, a teimosia, a prática. Com muito mais mérito que os estrangeiros, pois tudo aqui foi feito na raça.

O que se vê ali? No terreiro minúsculo, no oitão da casa, em qualquer lugar onde havia um fiapo de terra sáfara, produzem.

Simplesmente afofaram o barro maninho com a enxada e o suor. Mesmo que tivessem um trator, não poderiam usá-lo, por falta absoluta de espaço até para um. Existem hortas com 6 metros quadrados, quase uma cantoneira de flores. Tudo carinhosamente cultivado.

Usam o esterco de gado colhido nas fazendas vizinhas, misturam com solo vegetal trazido de longe, em balaios. Ressuscitam a terra. Deuses pagãos que a criaram novamente. Mais que os gregos e japoneses.

Ocupa gente — mulheres, meninos, velhos, pois ainda irrigam com regadores — nesse tempo de desempregados.

Pediria licença para sugerir ao prefeito Lomanto Júnior: conseguir com os fazendeiros vizinhos um pedaço maior de chão, após a última leira, chegando até a parte baixa do vale, onde termina a mata e começa a caatinga, no sentido Ipiaú-Jequié. Ter-se-ia um trabalho social da maior importância, continuando o fornecimento de verduras sem agrotóxicos, sem poluir a barragem e sem adoecer os horticultores. Vou mais adiante: dar aulas práticas aos alunos do curso médio para que aprendam ali o lado bom do nosso povo, convocar a EBDA, que tem boa vontade, estrada asfaltada até o local e, certo estímulo, para um trabalho social pioneiro, sério, fácil, desde que leve a tecnologia sem violentar as práticas dos lavradores, que fazem um milagre naquele sobejo de espaço.

 

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).