Dever cumprido
Euclides Neto
Folha do Cacau - Camacã - BA - 1986
Com humildade, cabe-nos relatar a resistência democrática de Ipiaú a partir de 31 de março de 64. No dia seguinte, 1o. de abril, logo ao descerrar a porta do telégrafo, o prefeito de então enviava mensagem a João Goulart, eleito pelo povo, contra o golpe. Evidente que a singela solidariedade não chegou ao destino, pois, logo após, aparecia aqui o exército com o nosso telegrama instruindo processo inquisitorial.
Os militares esqueceram-se — como todos os prepotentes da história — que não há mal que sempre dure.
Daí para cá mantivemos a mesma coerência, resistindo ao regime. Em tudo, em toda parte, pela palavra: na letra e na voz. Sem omissão nem comprometimento.
Estivemos nas diretas e levamos o PMDB à presidência.
Ipiaú elegeu os três últimos prefeitos — do PMDB.
O PMDB escolhe, agora, 22 governadores, fazendo, aí sim, e verdadeira revolução pelo voto. Passamos o Brasil a limpo.
Estamos no Alvorada, no Ondina e na Prefeitura. Sempre cultuamos a liberdade como uma mística. Bem como a tolerância.
Vencemos em todos os níveis. Fomos, às vezes, até enérgicos demais, sem, contudo, perder a ternura, como ensinava o poeta Che.
No momento, é sabermos ser vitoriosos. O vencido merece respeito bíblico — é nosso irmão! — para que não sejamos iguais aos que combatemos durante tanto tempo.
Aproveitemos a experiência dos erros deles, mas, se cometermos os mesmos, cairemos, duplamente, em equívoco.
Mereçamos dignamente nossas esperanças. Redobremos a reflexão para que o açúcar do poder não adoce demasiadamente a nossa vaidade, fazendo com que, além da ternura, percamos a humildade.
E não nos esqueçamos de que: gato que nunca comeu mel, quando come se lambuza.
De nossa parte, após a insignificante, mas convicta contribuição à luta democrática, resta-nos o recolhimento à penumbra de onde viemos, quando levamos, aqui, 14 anos, como simples advogado e eleitor, e fomos intimados para, em nome da profissão, defender Ipiaú do perigo que nos ameaçava, nos longes de 62. Devo ter arranhado alguém: que me perdoe.
Dever cumprido.