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Criar cabras

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1999

 

 

Outro dia conversava com um professor de veterinária e ele, com a profunda amizade e a franqueza que nos une, disse-me que muita gente me censura quando defendo o modelo tradicional da criação de cabras. Esclareço que sou pela tecnologia como quem mais o seja. Condeno é violentar o manejo existente, comprovado dentro da realidade de clima, água, alimentação, sem antes oferecer um método exaustivamente experimentado e provado por técnicos que entendam mais da prática do que de seminários. Nada de modismos. O catingueiro baiano, no regime familiar, dito atrasado, conseguiu um rebanho de quatro milhões e oitocentas mil cabeças, o maior do Brasil. Discordo é de gente que aconselha a fazer inseminação artificial no semiárido. Já falam até em transplante de embrião. Os menos avançados indicam reprodutores enormes e exigentes em comida, sem que as crias tenham a prolificidade e a rusticidade das pés-duros. As inovações arriscadas devem ser feitas nas universidades, nos órgãos de pesquisas, pelos criadores especializados. Mas o que até o momento tem dado certo é criar como se vem fazendo. Levando em conta o custo-benefício.

Há muitos anos catei em Uauá cabras marotas e nela botei saanens (homólogas). O leite aumentou sensivelmente. Verifiquei, contudo, que a parição diminuiu muito, devido ao prolongamento da lactação. Nos meses de setembro e outubro acontecia a apartação. Secava o leite. Chegavam as águas. Aí precisava desubrar, retardando a enxertia. Consequência: pouca parição. Hão de perguntar: por que não vendia o produto? Simplesmente porque onde crio não existe mercado. A refrigeração é cara, fazer queijo cai de novo na falta de comercialização, a grande estranguladora da produção agropecuária. Visitei uma fazenda nas imediações de Brasília que tira 350 litros-dia. Fui informado de que as cabras mais produtivas do rebanho não pariam há três anos. Onde crio, pois, e onde o comércio de carne é franco, o negócio é este. Com animais rústicos que comam até cabeça-de-frade, mandacaru e macambira. Sem ração comprada e cara. E não me falem em algaroba, leucena, silo etc. Palma, sim. Quando se vai explorar leite, o princípio geral é o mesmo.

 Meu querido amigo, dr. Antônio Maron Agle, me perguntou que tal criar cabra. Respondi: pra você não dá certo. E se tomar dinheiro em banco, perde a fazenda. É o melhor negócio do mundo para o catingueiro, que aproveita a mão de obra até da sogra, que não deixa o criame dormir no mato, onde a onça sempre leva o seu quinhão. Para doutor jurista e poeta, que mora na cidade, assiste ao Globo Rural e tenta copiá-lo, nunca vi um com bom resultado. Precisamos de tecnologia, sim, a mais sofisticada possível, contanto que exaustivamente comprovada na prática e com boa extensão rural, de preferência feita por quem é ou foi criador bem-sucedido, repito.

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).