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Criador de cavalos

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1995

Ao trotear neste arisco teclado, boto gibão e jaleco. Vem ponta de pau por aí. Não temo coices, pois se trata de gente fina e educada, elite. Falarei sobre os vaidosos criadores de cavalos, talvez o esporte mais caro do País.

Tenho que me frear nos adjetivos. Mesmo porque trago no lombo, desde a infância, o quadro de meu pai, de cócoras, com o fifó protegido da chuva na concha da mão, em um clima infame para criatório de equinos, nas matas úmidas do cacau. Perdia madrugadas à espera que uma das suas três éguas pés-duros desse cria, acontecimento, aliás, que jamais alguém viu. Até hoje não entendo a mania do seu Patrício. Como está no céu, torço que tenha encontrado por lá uma beroba. Caso contrário, não seria o paraíso para ele.

A carga genética montou no neto, meu filho Espártaco, veterinário, também viciado na criação.

Mas vamos encurtar a história. Caso contrário, tantas são as minhas vivências no assunto que escreveria um tratado. Não precisa dizer que democraticamente, respeitei o vício do meu pai e acato o do meu filho. Tanto que este ao tomar juízo, quis liquidar o criatório. Disse-lhe: mais vale um gosto que seis vinténs, deixe pelo menos três brivanas — o fazendeiro não vive só de lucro, mas também de alegrias nas pequenas traquinices.

Depois desse trote, vamos ao assunto. Não entendo como se compram cavalos estrangeiros a peso de dólares tratados em cocheira, para selecioná-los aqui. Só mesmo coisa de quem tem dinheiro na sombra. Vaidades. Ou muita cachaça também.

Os criadores de berobas mais famosos que conheço são dois catingueiros: Dr. Waldemar Moura, de Monte Alto, e Joãozito Andrade, de Geremoabo. O primeiro fá-lo há mais de século, através dos avós, nos descampados sem-fim de suas terras. Certo dia resolveu botar um mangalarga-marchador nas pés-duros. Cresceram os poldros. Colocou-os no serviço de vaquejada (não do esporte desleal e perverso de derrubar os inocentes em currais, dentro de quatro fios de arame, mas nos campos que têm o horizonte como cerca). Refiro-me ao trabalho heroico do vaqueiro encourado no rasga-gibão, esporão de galo, mandacarus armados com punhais. Pois bem, os lordes empacavam. Tinham medo de tudo. Não entravam no sarandi. Muito menos nadavam quilômetros em socorro das reses ilhadas nas enchentes do São Francisco, quando o vaqueiro seguro no rabo do cavalo vai puxado. Os mestiços, muito bonitos, porém ordinários. Servindo somente para esportes e exibição.

Joãozito Andrade, que tem um computador último modelo na cachola para selecionar bichos, levou duas brivanas e um macho do Raso da Catarina. Animais pequenos, cascos de aço, alazãos, bebendo em branco. Excepcionalmente fortes, ligeiros, rústicos e bons de aprumos. Está fazendo uma seleção para botar em brios árabes, quartos de milha e outros exóticos próprios para os salões atapetados dos hotéis nos leilões vaidosos. Mas na hora de pegar o levantado pulam fora.

 

 

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).