Ceplac
Euclides Neto
Folha do cacau - Camacã - BA - 1984
Folha do Cacau, 2º Quinzena de maio de 1984
Está na hora da união em favor do nosso órgão de apoio.
Quando assistimos à metástase da corrupção comprometer todo o organismo brasileiro, alegra conviver com quem orienta a lavoura cacaueira. Sabemos que a Ceplac corre perigo. Exatamente por continuar séria e incomodar os sem-fins das finanças do país.
Está molestada? Nem por isso se deve sacrificar a doente antes de tratá-la.
Certo também que a destruição só é desejada pelos interessados em escorraçar as cooperativas — abantesma maior dos intermediários.
A história repete-se. Antes, o admirável Instituto de Cacau (uma Ceplac no seu tempo) furou léguas na base da galiota e garimpeiro, interligando homens e terras. Funcionou o Campo Experimental de Uruçuca dos sábios Gregório Bondar e Pedrito Silva (Cepec, Paulo Alvim de hoje). A Escola de Capatazes (Escola Média de Agricultura). O Instituto entrou no comércio do cacau durante as duas crises, quando (sou testemunha) o burareiro trazia a colheita para vender e a jogava no Rio das Contas, pois nem a troco de bacalhau achava negócio. O Instituto meteu-se a gato mestre e pretendeu continuar na comercialização, passada a crise. Aí os exportadores não desejavam concorrentes. Iniciou-se a campanha da difamação. Coisa parecida com a que pretendeu destruir a Petrobras, dentro das proporções. O heróico Instituto debilitou-se, manteve-se a cota fixa cobrada sobre o saco de cacau (já havia inflação!). Minado, entrou a politicalha, serviu à cargoterapia dos políticos frustrados nas eleições.
Quando surgiu a outra grande crise da lavoura, nem teve condições de ajudá-la. Já era uma sucata. Criou-se (buscando funcionários no viveiro de honradez e capacidade do Banco do Brasil — sementes que devem ser guardadas no fumeiro para não perder) a Ceplac. Esta evoluiu, aproveitando-se das técnicas herdadas e as dos tempos moços. Conseguiu mais: gerou a euforia do aumento da produtividade, com novas áreas, adubos, renovação, melhoria genética. Orientou o crédito, antes dissipado. Defendeu e valorizou os lavradores — quem não se lembra das composições de dívidas! — quando os lobos apareciam. Hoje muita gente deve a fazenda à intervenção da Ceplac. Jamais se ouviu falar (sequer falar!) que um extensionista fosse peitado. Durante esses vinte anos de sessenta e quatro é o único organismo democrático do país. Pouco importa que o secretário-geral — o bom Zé Haroldo — ocupe cargo tão alto: aqui fora, nas constantes reuniões, ele ouve com atenção as críticas mais duras. Ouve-as com respeito, sem melindres. Os lavradores têm acesso aos maiorais do órgão com a mesma formalidade com que procura o gerente do banco local.
E mais: moça donzela e desprotegida, a Ceplac conviveu nesse prostíbulo que por aí rola, sem entregar-se. Tentada muitas vezes. Não faltou governo afoito que não lhe tenha ousado a bolinagem. Para sobreviver, levantou a saia, mostrando os joelhos. Precisou, até às vezes, satisfazer a volúpia dos mais libidinosos, mantendo, contudo, a pudicícia.
Colhidas tantas safras, não careceu mudar de nome — como fazem os larápios e certos organismos oficiais. Continua Ceplac.
Mas o bicho glutão federal não dispensa nada que cheire a dinheiro. Levou os 10 por cento. De lá os devolveu requentados, quando os devolveu, pois suas prioridades não são as da lavoura. Tirou-os agora, tentando, possivelmente, lançar a pá de cal. Debaixo desse pirão tem carne.
A Ceplac, pois, que somos nós, nunca precisou tanto dos produtores.
Que autoridade tem um Ministério da Agricultura para administrar nossos recursos?
Que autoridade tem o do Planejamento, quando até os tostões do fim social, espécie de óbolo de pé de santo, estão servindo para tapar rombos dos desvarios?
Não se pense que, retirada a taxa de 10 por cento, ela volta à lavoura: quem dita o preço do exterior regula-o a ponto de não desestimular o produtor, preocupados exclusivamente em não matar a galinha dos ovos de ouro. Saindo a taxa, o preço não subirá 10 por cento.
Urge, assim, fazer costas à Ceplac. Se alguns veem nela sintoma de doença, ainda é tempo de acreditar em seus dirigentes e técnicos, sempre capazes de, com humildade, corrigir as falhas existentes, estas, sim, fruto do sistemão em que sofremos.