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Carlistei

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1999

Sempre remei contra a corrente e corri contra o vento. Bancava a mulher do piolho. Um mínimo de sensatez me obriga a carlistar. Dias atrás, o jornalista Ubaldo Ribeiro transcreveu uma revelação de ACM: “Tudo isso que você disse é mentira. Eu podia até ter roubado, mas isso não me interessa. Você quer saber do que eu gosto mesmo? Eu gosto mesmo é de chegar nos lugares, nas cidades, onde for e todo mundo parar e olhar para mim: É o governador, é o governador. Eu gosto que me carreguem, eu gosto que me deem mais atenção do que a todo mundo, eu gosto de ver o povo gritando meu nome, eu gosto é do poder. Entendeu você? Eu gosto é do poder. Eu não bebo, não fumo, não curto barato nenhum, a não ser o poder. É disso que eu gosto e é disso que eu vivo, o resto para mim é bobagem. Pode publicar, eu assino embaixo, é a pura verdade". Isso é que é sinceridade e coragem. Nada de enganar o povo, dizendo que pretende trabalhar por ele – é coisa de políticos menores. Político maior preside o Congresso e, de lambugem, o País. Ainda manda no Judiciário. E basta – é o Poder.

 Daí todos estarem carlistando, o que significa: não precisa pensar, nem votar com a consciência. Passam a gozar do supremo conforto de não sofrer com a torturante dúvida de julgar. Ele decide por todos. O que diz é dogma que não se investiga. Basta a fé pra nele acreditar. Dentro em pouco, não carecemos mais de partidos, votações. Acessaremos uma tecla e saberemos o que o Homem quer. Seremos um rebanho de ovelhas sem cabeça. Só o intimorato pastor a terá. Nós, os invejosos e despeitados, dizíamos que o líder supremo só era capaz de nadar nas águas rasas do estado da Bahia. Mas, quando ele chegou aos pélagos profundos do lago Paranoá, deixou de ser piaba e virou tubarão. Os valentes da Farroupilha, os heróis do Forte de Copacabana, os conterrâneos de Lampião, os Tiradentes, os bandeirantes, até filho de general cantam no seu dedo como patativas. Getúlio amarrou o cavalo crioulo num obelisco do Rio de Janeiro. O baiano fê-lo no pedestal de Juscelino, na praça dos Três Poderes. Todo ingênuo afirma que Josaphat Marinho é o Senador da República por excelência. Nada disso. Ninguém vê o nome dele nem em beco de arraial. Reparem o do Outro: está em avenidas, milhares de escolas, prédios, onde cabe o nome de um político está o dele. E quando existe o de outro, substituem-no.

Chegou a sugerir a extinção do INCRA, hoje é o padroeiro dos sem-terra.

 Confesso, portanto, humildemente, que endireitei. Estou cansado de esquerdar. Obedecerei as ordens do Chefe Nacional sem discuti-las. Serei, dentro em breve, sangue puro da seita a que ora me converto. Tenho dito.

 Espero, assim, ganhar o reino do céu, estar protegido, não ser ameaçado por ninguém. Do que adianta ser cidadão? Enfim, tornei juízo. Carlistei, verbo nascido do adjetivo carlista. Nada mais cômodo do que ser pusilânime. Deus tá vendo.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).