Assusta
Euclides Neto
A TARDE - Salvador - BA - 1995
Eleito um presidente da República ou um governador, ou um prefeito, deve-se colaborar na medida do possível, mesmo que neles não se tenha votado. É o que tentaremos fazer.
O IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura) fez questionários perguntando quais as prioridades do Nordeste. Quem os recebeu foi gente qualificada e personagens ilustres (Josué Montello, Ariano Suassuna, João Cabral de Mello Neto, Raquel de Queiroz, Miguel Arraes, entre outros). Certamente, por erro do computador, incluíram o meu nome na lista.
Após as respostas, houve uma avaliação criteriosa. Verificou-se que a questão fundiária é prioridade para o desenvolvimento da nossa região.
Daí ficarmos preocupados com as declarações, na A TARDE de 25.12.94, do futuro ocupante do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária (aliás, a expressão Reforma Agrária foi omitida), que não se referiu em nenhum momento na distribuição de terras ociosas para os que nelas queiram trabalhar, matar a fome e morar. Estes três, sim, os maiores problemas do semiárido. Evidente que educação e saúde devem vir juntas.
Temos repetido ao enjoo que nenhum país se desenvolveu sem a equilibrada partilha do solo. Os Estados Unidos e Alemanha fizeram no século passado, com a Lei Lincoln. O arranque do Japão iniciou-se com a mesma providência.
Assusta-nos, pois, um ministro que vai tratar da Agricultura, no paraíso dos latifundiários improdutivos, não tocar na reforma. Cuida até do que não está ligado a sua pasta, esquecendo-se do essencial. Refere-se à comida, certo, mas ela não existe sem plantar. E o meio mais barato de ter emprego no interior é o assentamento de pessoas na terra.
Assusta-nos, sobretudo, porque o senador José Eduardo Andrade Vieira é o maior acionista do Bamerindus (dono, portanto). E como grande proprietário de terras e banqueiro, só vai acreditar nas megaempresas agrícolas, que desempregam com a mecanização indiscriminada. Segue a filosofia de gerar ocupação com a venda do trabalho subordinado ao capital. Jamais pelo progresso do operário com independência em uma atividade própria.
Um banqueiro e grande proprietário de terras para dirigir Agricultura e Reforma Agrária é o mesmo que botar piranha para conviver com os peixinhos de um aquário ornamental.
Por outro lado, o ministro da ênfase a investimentos (!) na saúde e educação (necessários, claro, conquanto fora da sua alçada). Isso lembra empreiteiras, interesses bancários, desperdício de recursos em 40%, como vem ocorrendo até hoje. É a visão da elite. Com todo respeito.
Concluindo: a FAO avaliou a possível reforma agrária já feita no Brasil, com todos os seus poderosos adversários, e a recomendou, taxativamente, pelos bons resultados alcançados. Pois é o meio eficaz de acabar com o desemprego, a fome, o desabrigo, a favelização.