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As habitações nas fazendas de cacau

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1999

Quem passa pelas estradas vê ruínas. Telhados caídos, cumeeiras desabadas, cupins perversos deixando bicos de pena nas paredes deterioradas. Abandono. E nada mais triste que uma morada que já abrigou a família, agora invadida pela capoeira gulosa. Em volta, as árvores frutíferas também largadas, cobertas de parasitas, morrendo. Pior que os cemitérios, pois que neles, ao menos, existe a presença física dos restos dos que descansaram.

Nas casas vazias é a solidão do nada, do desespero dos escorraçados. Da lembrança dos que estão nos alagados e encostas das cidades, ou ameaçados pelos tratores que foram feitos para construir, mas são usados na guerra destruidora dos barracos dos desabrigados. Não existem mais as pequenas criações de animais domésticos, nem a colheita das fruteiras fartas (laranjeiras, jaqueiras, limeiras, touceiras de cana caiana).

 Os riachos, envenenados com os agrotóxicos, viram esgotos. Não oferecem mais a traíra, o beré, o piau, o acari. Nem o cambute. As casas-sede, como todas as nobrezas humanas, são as que mais se degradam após a decadência. Em muitas já tiraram e venderam as telhas e janelas. Ou foram levadas como indenização trabalhista. Resta a cazumba — a caveira.

A cidade devora a todos com a sua máquina de moer as criaturas que não encontram emprego, nem a fartura das roças de cacau.

 As estradas vicinais, muitas delas construídas pelo fazendeiro, não têm o que transportar. Estiolam-se.

Para nós que continuamos a morar nesse cemitério de mortos-vivos resta somente imaginar como seria fácil se houvesse crédito decente na hora certa. Teríamos evitado a destruição de milhares de moradias (o Brasil é carente de 10 milhões delas), tudo edificado pelos produtores, com “financiamentos”, cujos recursos vinham do confisco de 10% do preço do cacau, que vendíamos e que teríamos que pagar depois, acrescidos dos ônus bancários. Tudo isso quando a safra valia libras esterlinas.

Centenas de escolas primárias, edificadas do mesmo modo, estão se acabando. Nada mais triste que uma delas abandonada. Sobretudo na área rural, quando os caipirinhas aprendiam, sem precisar de transporte coletivo, sem violência nas salas de aula.

 Quanta coisa se perdeu pela insensibilidade oficial. Tanto prestígio político e dinheiro para salvar bancos falidos, construir avenidas asfaltadas, hotéis de luxo e financiar multinacionais recheadas de dólares. Só não tiveram recursos para resolver o emprego, a doença da lavoura, a moradia já existente, a comida das fruteiras, a criação de pequenos animais, as roças do de-comer que muitos plantavam até nos quintais. Não restaram nem as flores que sempre enfeitam a casinha da roça. Nem o canto do galo clarineteando a hora do eito.

 Quase tudo virou tapera. Restou o desemprego, o desabrigo, a produção aniquilada, o êxodo rural, a dificuldade de transporte nas capitais, a falta da escola, a doença com o confinamento humano, a derruba dos sombreamentos, fome. O desespero! Mas resta-nos resistir, com os clones, leite e acreditar no “em se plantando, tudo dá”.

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).