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Anísio Teixeira

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1994

 

                Tudo que se escreve sobre homens como Anísio Teixeira traz lições. Osvaldo da Silva Brito, aparentado do Barão de Sincorá, por parte de Ana Angélica Pires de Oliveira, foi quem me contou, nesse último Natal, a vivência com o mestre, quando ele se escondera nos fundos da fazenda Bom Sucesso, no lugar chamado Cama de Varas, então município de Itanhaçu, hoje Tanhaçu.

                A morada era um rancho, cobertura e paredes trançadas com licuri, e uma única entrada e saída — tosca taba.

                Anísio, perseguido, acusado de comunista (quanta gente boa tem sofrido pela intolerância ideológica, bastando meras conjecturas contra ela, enquanto para os corruptos a prova terá de ser material, estreme de qualquer dúvida, absoluta, total!) buscara abrigo ali. Seu protetor, Deraldo da Silva Brito, dera-lhe, além do esconderijo seguro, a companhia do próprio filho, Osvaldo; de Deco, o cozinheiro, e de Antônio Joaquim, este fiel positivo, encarregado de levar jornais, revistas, livros e correspondência ao ilustre fugitivo, aliviando-lhe a solidão.

                Quando o fascismo se encarregava de pintar os comunistas como monstros, um grande latifundiário protegia nos seus vastos domínios alguém que, se não era propriamente marxista, estava carimbado e perseguido como tal. E já desenvolvia as ideias de Miguel Couto, revolucionando o ensino, direcionando-o para o trabalho com escolas de tempo integral, precursoras da Escola Parque e dos CIACs.

                Essa acolhida faz parte de um código de ética do sertão: proteger quem pede abrigo, mesmo que seja um perseguido pelo governo e tido como elemento extremamente perigoso. Aliás, o não menos ilustre cunhado de Anísio, Nestor Duarte, no romance “Gado Humano”, fala de como o sertanejo só não dá guarida ao larápio, mas agasalha o homicida, autor de crime muito mais grave. Ou o comunista, então mais grave ainda, acrescentamos nós. Anísio vivia como um simples lavrador. Comia feijão-de-corda, farinha e carne de sol, acompanhados de caça que ele mesmo caçava com o seu fiel escudeiro. Dormia em rede, preferindo-a à cama de varas. Bebia água de tanque como todos os viventes, inclusive os animais silvestres. Lia muito. E certamente pensava mais ainda, o seu forte. Escrevia. Os que se aproximavam dele, alguns sem saber de quem se tratava, adoravam-no pela prosa e a simplicidade. Vestia-se como os do lugar.

                Depois, Anísio passou para a fazenda Gurutuba, saindo do ermo da mata, já agora podendo receber visitas de parentes e amigos. Deraldo elegeu-se prefeito de Ituaçu. Caiu com o golpe de 37. Osvaldo, então, orgulhoso, acrescenta que o discurso de posse do seu pai fora entregue ao professor para corrigir, e este o achara perfeito. Com a queda de Deraldo, Anísio ganhou o mundo. Com suas ideias.

                Além do gesto da família Brito, fica a lição: todas as ditaduras sempre perseguem homens como Anísio Teixeira.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).