Além de queda, coice
Euclides Neto
A Tarde - Salvador-BA - 1992
A lavoura cacaueira recebe mais um coice. Há anos vem sofrendo com a queda de safra, causada pelo sol, doenças, pragas, falta de recursos para adubos e tratos culturais outros. Padeceu no Plano Cruzado, correções monetárias, juros gananciosos, preço baixo, vassoura-de-bruxa. Agora, quando parecia melhorar com uma ligeira alta de preços, chuvas e a prorrogação dos débitos (conquanto o custo do dinheiro só faz protelar a morte do doente — o justo seria que o lavrador pagasse os juros e correções na equivalência da alteração do preço de cacau, como já se faz com outras lavouras), chega a aplicação da Lei 8.212 (25-7-91). Por esta, os lavradores recolherão sobre o valor da folha: 20% ao INSS, mais 2% de seguridade, mais 2,5% de salário-educação, mais 0,2% do INCRA, mais os 8% do FGTS. E o trabalhador contribuirá com mais 8%, no total de 40,7%.
Antes, recolhia-se 2,5% para o Funrural sobre o preço da mercadoria comercializada. Se o preço e a safra melhoravam, pagava-se mais. Hoje, não. Se caírem preço e produção, os ônus serão os mesmos — recairão sobre a folha, que a rigor não pode ser diminuída, devido às despesas fixas e ao próprio contrato de trabalho. Como existem fazendas que mal estão produzindo para a folha, ou até menos, terão elas de arcar com os mesmos 44,2%, incluindo a parte dos trabalhadores, que antes nada recolhiam, pois sua contribuição já estava embutida nos 2,5% do Funrural, pagos pelo empregador.
Quem foi beneficiado? O governo não foi. A sonegação será brutal. Antes, quem recolhia era a firma exportadora, abatendo do preço no ato da comercialização, automaticamente. No momento da declaração do Imposto de Renda, o próprio agricultor exigia dela o comprovante do Funrural, que tinha de coincidir com o valor da produção constante da Cédula G. Hoje, sobretudo o médio lavrador, não terá condições de organizar o labirinto da papelada, nem de pagar, ficando sob a espada de Dâmocles, sujeito a qualquer momento ser pegado como sonegador. O pequeno agricultor, exploração familiar, que pagava 2,5%, desembolsará 3%. Complica-se também o seu recolhimento, que, portanto, não acontecerá. O grande fazendeiro, bem, este, se tiver de cumprir a lei, vai preferir desempregar, como já estão fazendo, salvo as exceções. Ao trabalhador rural, igualmente, não beneficiou. Antes, nada pagava, agora, vai recolher 8% do seu ganho. Bem verdade que receberá o salário-família, mas aí as famílias numerosas irão para a estrada, jogando multidões de crianças para os centros urbanos. É que os valores recolhidos não darão para satisfazer as obrigações do salário-família.
As beneficiadas serão as lavouras que empregam pouco, mecanizando muito. Deixarão de pagar sobre o valor do produto para recolher sobre salário, que será menor. Os grandes pecuaristas terão proveito. Alguns vaqueiros cuidam de milhares de reses, assalariando pouco. Quando precisam de mão de obra nas roçagens, aceiros e destocas, contratam trabalhadores eventuais, facilmente descartáveis das folhas. Não pagando os 2,5% sobre o gado vendido, fa-lo-ão sobre a reduzida folha.
No caso da cacauicultura, a nova lei vai onerar tanto que raros continuarão com a atividade. A lavoura, que já foi dos deuses, pertencerá mais aos capetas.
Essa conversa de modernidade, cruel às vezes, pouco importando com a falência de muitos, é o mesmo que jogar ao mar uma porção de gente e depois achar que só deve salvar-se quem souber nadar.
Antigamente, quem justificava os meios pelos fins era execrado. Hoje, a fome, o desabrigo, o desemprego são justificados pelo equilíbrio da inflação, com grande sofrimento para o povo. São capazes de achar também que as famílias numerosas terão de diminuir a prole para não perder o emprego. Até lá, contudo, os pobres já apodreceram e a gangrena instalou-se na sociedade.
Imagina-se que a agricultura é como a indústria, comércio, serviços, que repassam os custos aos consumidores. Não se descobriu ainda que o produto da terra, destinado à exportação, tem o preço fixado lá fora, ao prazer de quem compra, aproveitando-se da fraqueza de quem vende.