A Secretaria da Reforma Agrária
Euclides Neto
Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1996
Não queremos botar um grão de pólvora nesse barril que está explodindo em todo o Brasil. Mas, ao saber que a Secretaria da Agricultura da Bahia solicitou ao ministro de Ação Fundiária que não desapropriasse a Fazenda Embaúba, causou-nos espanto. E, com todo respeito, não posso me calar. Afinal, a propriedade já está com o decreto desapropriatório assinado pelo presidente da República e publicado no Diário Oficial da União.
Não nos passa pela cabeça a ideia de que haja interesses menores nesse absurdo. Preferimos acreditar em equívoco dessa cruel filosofia neoliberal, que só vê o lucro econômico e não enxerga o social. A nota do jornal só traz o nome Secretaria da Agricultura. Omitiu Reforma Agrária. Porque esta jamais poderia ser contra uma vitória já conquistada, pela qual devia batalhar. Por aí se percebe quantas áreas o INCRA tenta desapropriar e o poder político oficial impede.
O Incra obedeceu a todos os requisitos que justificam uma desapropriação. A Embaúba não cumpre a função social, exigida pelo Artigo 186 da Constituição Maior: I – aproveitamento racional; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Se o Incra apresenta um laudo especializado, não poderá ser a Secretaria da Agricultura, leiga e com outros propósitos, que vai tentar impedir um ato tão esperado por 200 famílias de desempregados, representando mil tripas roncando de fome. Nunca imaginei que fosse possível desatino igual.
Suponhamos, hipoteticamente, que a Embaúba venha a funcionar, produzindo álcool, certamente com grandes empréstimos impagáveis dos bancos oficiais. Será mais justo distribuir as terras ociosas aos que precisam plantar comida (na Bahia, campeã da fome) e criar empregos a menor custo, e morada aos candidatos à violência nas periferias das cidades. O poder público não deve estimular o êxodo rural e o boia-fria, deixando de aproveitar quem ainda quer viver da lavoura para a desejada agricultura familiar.
Não perceberam que uma Secretaria de Reforma Agrária é para defendê-la, assim como a da Justiça defende a lei, a de Transporte defende as estradas. Como a Secretaria da Indústria, no caso, está defendendo a usina de álcool, já com prenúncios de falência. Caso contrário, gera suspeição.
Os ingênuos não sabem que os latifundiários improdutivos criam artifícios para burlar a legislação. Apresentam projeto de aproveitamento da terra, quando se sentem ameaçados, e depois voltam a paralisar tudo.
Não defendendo os sem-terra, ficam ao lado dos que não cumprem a função social, e no presente caso, fomentarão acampamentos e choques violentos, pois que os sem-terra já descobriram que, sem ocupações, não conseguirão nada. Quem trata da reforma agrária deve ter outro perfil.