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A crise do cacau

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1993

Li como se fosse um catecismo a publicação na A TARDE sobre a “Recuperação da Lavoura Cacaueira”. Tão boa que sugiro sair em cartilha para as escolas da zona dos frutos de latão, antes de ouro. A fim de ser aproveitada nas aulas de Matemática, usando os números e estatísticas; nas de Português, interpretando o texto; nas de História e Geografia; e até nas de Direito e Administração. Dentro da pedagogia de que ensinar é transmitir também conhecimentos da socioeconomia regional.

Pediria licença, contudo, para observar que ninguém proferiu, sequer, a expressão “reforma agrária”. Salvo quando, uma única vez, o nome completo do Ministério da Agricultura foi enunciado. Parece que ainda existe preconceito contra a distribuição de terras. Chegou-se a condenar o plantio de dendê por pequenos lavradores, defendendo-se as grandes empresas, inclusive capitais estrangeiros. E a doença da produção em escala, que desemprega e pode resolver o lado econômico, mas não o social. Doença filha da outra: crescer o bolo para depois dividir.

Evidente que não me refiro à reforma agrária em fazendas que cumprem a sua função social nos moldes da Carta de 88. Mas nas terras ociosas e até abandonadas.

Se possível, lembraríamos o modelo da Fazenda do Povo, em Ipiaú, para a solução de toda a crise da região cacaueira. Mesmo não sendo o ideal como está. Mas resistindo há 30 anos a algumas administrações municipais que tentaram destruí-la. Distorceram-na. Conspurcaram-na. Entupiram-na com o empreguismo. Apesar de tudo, onde vivia somente uma família de agregados colhendo o cacau e extraindo madeira, em 167 hectares, abriga atualmente 70 famílias produzindo caminhões de comida, semanalmente, além do próprio cacau. Verduras de esplêndida qualidade: talvez seja o único lugar da Bahia onde não são aplicados agrotóxicos e adubo químico. Conservando famílias que lidam na enxada desde a fundação: hoje com bisnetos de quatro anos e avós de 85.

Outro reparo, se me permitem, foi não convidar o representante dos trabalhadores rurais, também interessados. São mais de 300 mil para 25 mil proprietários.

Ótimo seria se os governos estadual e municipais aproveitassem o espólio da Ceplac, já montado e especializado, e, com poucos recursos (incomparavelmente inferiores aos que a União paga), colocassem-na em atividade, salvando o que só a nós, baianos, interessa. Faz pena ver um órgão tão sério e competente querendo trabalhar e não tendo condições, por falta até de gasolina.

Só a tranquila liderança de Jorge Calmon poderia meter no mesmo saco todos os gatos que sempre se unharam: produtores, industriais, exportadores, gente do governo e organizações outras que lutam e labutam pelo teobroma — manjar dos deuses e das desavenças.

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).