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A Copa do Mundo e a farofinha

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1994

 

                Nenhuma cidade da Bahia tem futebol tão disputado. As torcidas chegam ao desatino. Tanto que, em certa decisão de campeonato, os torcedores dos times finalistas não se conformaram com o empate e do lado de fora do gramado, tentaram, após os 10 pênaltis, desatar o nó na base da bala. O resultado foi 5x1, isto é, troca de 5 tiros de cada lado e um atestado de óbito.

                Mas nem tudo era violência. Quando chegava a Copa, reinava a harmonia. De 4 em 4 anos, um seleto plantel de prósperos fazendeiros e comerciantes partiam aos estádios gringos.

Eram pessoas importantes, que fizeram independência financeira no trabalho duro, acostumados às viagens no lombo de burros, atrás de boiadas ou de tropas, quando a previdência aconselhava a levar a farofinha feita com carne de jabá.

                A viagem ao exterior começava com uma despedida ruidosa — guerreiros indo ao campo de batalha. Bandeiras, faixas, camisas, lenços, cuecas, meias patrióticas. Verdes e amarelas, sem esquecer as batucadas. Nem a estátua da liberdade, enfincada na praça do mesmo nome, escapava da tinta das matas e do ouro do pendão nacional. Tudo salpicado com as estrelas do céu anil. Se o São Roque-Padroeiro bobeasse, também ele mudaria de cor. No caso do Brasil campeão, voltavam como heróis após memorável conquista. Desfilavam pelas ruas, com direito a banda de música e pose de conquistadores romanos. Faziam-no levantando a réplica do troféu em plástico.

                Composto de homens maduros, já assentados na vida, o grupo, no retorno, levaria dias e semanas contando as bravuras da Copa.

                Agora, aconteceu como de costume, menos em um detalhe. Não tiveram paciência de esperar. Chegaram aos Estados Unidos antecipadamente, junto com a seleção. Foram conduzidos ao hotel, com direito a guia de saia abaixo do umbigo um palmo e blusa mostrando proibidos. Logo, logo os mais assanhados arregalaram os olhos pecaminosos.

Passaram-se os dias e nada se conseguia quanto às enganosas promessas da saia curta e parceiras. O acesso às mulheres cada vez mais impossível. Língua diferente, dólares curtos para a riqueza do país hospedeiro. E os marmanjos inquietos em busca de uma aventura amorosa. Os mais exigentes foram descendo a nível das quarteleiras. Mesmo assim, parecia que até elas discriminavam os encardidos tabaréus da região cacaueira. Era tempo de alta estação, com a presença de torcedores vindos de toda a parte do mundo, inclusive dos petrodólares.

                Os embaixadores da nossa entusiasmada torcida não estavam mais na idade de exigir uma costela feminina com assiduidade. Mas precisavam de aventuras para contar.

                Quando todos já se desesperavam, seu Agapito — o único que levara a esposa — cantou de galo:

­                — Por isso é que trouxe minha farofinha. Vocês vieram atrás de perua à Califórnia e vão passar fome. É pouco.

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).