A Ceplac e a bruxa
Euclides Neto
A Tarde - Salvador-BA - 1991
Chegou a bruxa com a sua vassoura lá em casa. Fomos conhecê-la pessoalmente com os filhos, netos, inclusive o de dois anos, que montou na sela do cangote do pai. Era uma cerimônia, que também se realiza nos momentos de intensa alegria, quando soltamos animais silvestres — os comprados e os doados.
Ali se exibia a feiticeira, deformando os frutos novos, transformando-os em morangos e cenouras, caçoando da gente. As cabaças atacadas de cancro duro, cor de carvão, apodrecendo de dentro para fora. Ao contrário da podridão-parda, que ataca da casca para as amêndoas, a mancha é menos escura e, se comprimida com o polegar, encontra a parte afetada amolecida. Os brotos da vassoura têm as extremidades meio pendidas como se estivessem murchando, ficam inchados, degenerados. Depois secam.
Surgem logo os que explicam a presença da praga pelo lado criminoso de grupos exóticos: desde o Leste europeu até o Ocidente do crioulo TFP.
Prefiro acreditar que foi o vento, responsável por muitas diabruras. Ou uma brisa no raiar de alguma “fresca e sanguínea madrugada”. Ou quando o “sol nas matas virgens a fogueira das tardes acendia”. Ou, talvez, uma sabiá cantadeira que tenha levado o micróbio no seu bico de prata (espécie de castigo do céu), visando abrir um roçado para que o homem plante mais mandioca, feijão, arroz, milho, destinados a matar a fome dos magros.
Houve até heróis na descoberta da enfermidade: o podador viu os brotos estranhos, chamou o companheiro que havia tomado curso de treinamento. Trocaram ideias. A autora do curso, a Ceplac, foi acionada e, imediatamente, compareceu à roça em seus carros de pneus carecas e lataria chocalhante, movidos à boa-vontade, com um punhado de agrônomos, técnicos agrícolas, trabalhadores especializados (os periquitos!). Jamais vi tanta presteza. Nem corpo de bombeiros. Convocaram vizinhos, que também levaram gente para o adjutório, transmitiram ao vivo a prática do combate à insidiosa doença. Estão agora correndo a fazenda toda; cacaueiro por cacaueiro, galhos, almofadas florais, frutos, folhas, nervuras. Como o bom médico em procura de gânglios cancerosos. Removem a parte afetada da planta e o folhiço do chão, deixando-o limpo como um prato.
Fica uma pergunta: que seria da lavoura cacaueira se não tivéssemos agora a Ceplac? Se criticamos os órgãos incompetentes e omissos, chega o momento de louvar quem age desse modo.
Mais uma vez vale a pena cobrar a taxa de retenção, que deve ser gerida diretamente pela Ceplac, sem requentar nos cofres da União, cujas prioridades não são as nossas. Tal ônus em nada afeta o preço do cacau. A prova é que, quando desapareceu o imposto de exportação, no mesmo percentual, não houve a equivalente melhoria no mercado.
A vassoura-de-bruxa não é indomável. Talvez o seja na Amazônia. Lá existe a mata hospedeira, alta, trançada, inacessível, já em metástase. Aqui, no cacaueiro bem mais baixo, roça limpa, podada, trabalhadores treinados e o olho do dono, é só não deixar que as sementes (esporos) amadureçam, gerando os cogumelos que ejaculam novos agentes disseminadores. Faz de conta que é um capim-canoão, também tinhoso, que precisa ser arrancado, batido, queimado ou posto no girau, sempre antes da semeadura.
Pior que a vassoura-de-bruxa é a correção monetária, os juros de piranha, certos reajustes nos acertos de contas de cacau e a cláusula de prisão em caso da não entrega do produto, inseridos nos contratos com os intermediários.
Todos os sindicatos patronais, trocando ideias com os dos trabalhadores e as cooperativas, devem organizar um contingente de operários, de reserva, mediante a colaboração dos associados, em pessoal, na proporção da safra de cada um, para que, unidos, Ceplac à frente, possamos eliminar o mal, rapidamente, onde ele apareça.