A árvore
Euclides Neto
Folha do cacau - Camacan - BA - 1984
Conta-se que Lampião não tomava banho e vivia de corpo imundo, mas sempre a recender loções. Assim são as pessoas que andam a pregar o amor sem praticá-lo. Amam o próximo, mas sugam-no até deixá-lo exangue. Amam a natureza, a árvore. Porém jamais pensam em preservar o cedro, o jequitibá, a jaqueira encontrada na exuberância da sua frutificação. Sempre enxergam na árvore um objeto de lucro imediato: a tábua, o mourão, a estaca. Não ama aquele conjunto de raízes, tronco, galhos e folhas, rotineiramente a metabolizar seiva e clorofila no laboratório que fabrica oxigênio para a humanidade.
Poucos se lembram que, antes mesmo da existência do animal mais inferior (a monera), foram necessárias as algas primevas, razão da própria vida. O fruto, a flor, a sombra, o lenho, as essências, que dão os remédios e escamoteiam os nossos odores arnicosos são meros subprodutos perante a grandeza das condições que as antas criam, permitindo o surgimento e a continuação da vida.
Devido à fartura e desperdício da nossa floresta Atlântica, desprezamos a árvore. Daí o descaso com que a tratamos quando a vemos plantada no passeio da rua onde moramos. Talvez seja uma negação paradoxal e inconsciente da nossa origem mateira, imaginando parecermos civilizados, quando, na realidade, os povos mais evoluídos protegem o verde como um tabu. Está aí o Japão a recuperar todas as encostas vulcânicas (70% de suas terras), exportando já a madeira que há pouco importava até para embalagens industriais.
Descendemos de índios botadores de fogo e continuamos a ateá-lo no despropósito da estupidez. Chega-se ao requinte: na Amazônia é proibido derrubar castanheiras, mogno e seringueiras. Pois bem: cabruca-se a mata, deixando tais raridades em pé, cumprindo a lei. Mas, em seguida, tacam o pau de fósforo no roçado e, das árvores protegidas, restam somente os fantasmas negros dos carvões.
Vivêssemos no Teerã e apreciaríamos o culto por uma simples folha verde. Lá, cidade construída com pilares e vigas de aço, cuja aridez desértica do solo dá a impressão que até a poeira é de limalhas de ferro abrasadas pelo sol, adora-se uma simples sombra, plantada junto ao filete d’água que escorre pela sarjeta, visando abrandar a secura ambiente. Aqui, se levantamos a vista, está a mata dos Panele e os cacauais dos Lessa. E nos esquecemos dos verões locais, quando os calçamentos reverberam a canícula em estiletes incandescentes.
Daí a oportunidade do movimento da Prefeitura Municipal, Rotary, Sindicato Rural, Maçonaria, Associação Comercial, enfim, todo o povo de Ipiaú — unidos na campanha de arborizar Ipiaú.
Que se convoque o Tiro de Guerra, dirigido pelo valoroso Sargento Roberto, para que fiscalize e proteja a iniciativa, já que em todas as boas obras a corporação está presente.
Que se crie um estado de espírito entre as crianças e jovens, tão afeitos aos nobres sentimentos humanos. Qual o menino dos bons tempos que não teve seu cajueiro pequenino, seu pé de laranja-lima, a goiabeira do quintal? De minha vez, lembro-me da jaqueira existente no terreiro da nossa casa, pra as bandas do Reachão: mal barreava o dia, já lá estava eu a piparotear as suculentas frutas. E quando me levaram ao colégio interno, na sofrida época em que demorávamos cinco dias das matas das Tesouras até Salvador — via Rio Novo, lombo de burro; caminhão a Jequié; estrada de ferro a Nazaré — vapor a Salvador, depois de esperar a maré. Era debaixo dessa jaqueira que minha mãe chorava a saudade do filho e, à sua sombra, esperava-me também, chorando de alegria, já aí nós dois — quando voltava às férias.
Que se proteja o antigo Horto Florestal, admirável bosque de cacaueiros centenários — único em uma cidade da região — ao lado da roça-modelo implantada pela Ceplac no Centro Agrícola de Educação.
Parabéns ao Rotary pelo trabalho do estímulo e a Prefeitura que desde a primeira gestão de Hildebrando Nunes vem batalhando para arborizar nossa Ipiaú.