Denise Teixeira
Orelha em “Vida morta” - segunda edição - 2012
Euclides Neto ainda era um jovem autor quando escreveu Vida morta, seu segundo livro, em 1947. À procura de seu estilo literário, ele criou esta espécie de romance de formação de forte inspiração autobiográfica. A vida de Antônio, o protagonista, ressoa por vezes a do escritor: um estudante de direito numa faculdade predominantemente burguesa, membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas com muitos questionamentos ideológicos, e extremamente conflitado com sua condição econômica precária e com a própria existência.
A ambiguidade permeia toda a narrativa, que tem lugar numa Salvador ainda provinciana, uma sociedade marcada com os traços visíveis da escravidão que transparecem nas diferenças de classes abissais. Prostitutas, estudantes e pensões precárias fazem parte deste cenário.
Se por um lado, o protagonista se revolta diante das injustiças sociais — “o maior construtor de proletários é a guerra”, por outro se acovarda diante dos problemas — “Que eu tenho com a sociedade dos pobres? Fui sempre miserável. Quero cuidar de mim mesmo” —, revelando suas aspirações advindas da pequena burguesia. Antônio se mostra o tempo todo cindido, em um movimento pendular entre o certo e o errado, a procura de respostas que endossem suas escolhas.
Há uma crítica contundente ao militarismo, mais do que pertinente no período do pós-guerra em que foi escrito o romance. Obrigado a servir o Exército, Antônio se revolta pela perda de tempo nessa instituição que “fabrica preguiça”. O que lhe estimula, contudo, é a libido à flor da pele e o contato mais livre com o sexo, tratado na vida do homem e da mulher com certa naturalidade incomum à época, como em uma tentativa de romper preconceitos. O tom de desabafo deixa o leitor grudado no texto na expectativa de mais emoção.
Euclides sempre escreveu sobre o que viu e viveu, como ele mesmo afirmou em uma entrevista sobre este romance: “Ferino libelo da juventude contra as forças armadas escrito aos dezenove anos, quando revoltado, deixava de frequentar meu curso jurídico para fazer direita-volver-ordinário-marche. Romance da mocidade, irreverente, combatendo as guerras e as agressões internacionais, com vistas a II Mundial, bem próxima da memória”.