Os magros: literatura e vida
Virgínius da Gama e Melo
Artigo em “Os magros” - A União - 1961
Na formalística literatura brasileira atual, tão esquecida das lições de modernismo, entrada mesmo para o experimentalismo alquimista vocabular de Guimarães Rosa ou da sutileza psicológica em violenta linguística de Clarice Lispector, não deixa de ser notável o aparecimento de uma obra literária que se distingue principalmente na simplicidade tanto de estilo quanto de linguagem.
Não sei se essa simplicidade de Euclides Neto no seu romance Os magros, ora publicado pela Livraria Progresso Editora, da Bahia, é de- liberada, quer dizer posição de reação ao formalismo atual, ou apenas uma consequência de espírito, uma preferência que se identifi ca com sua natureza. Mais viável, talvez, seja a segunda hipótese. Fortalece-se a presunção em virtude do primarismo de confl ito social apresentado pelo romancista em Os magros — dois planos, um corte vertical da sociedade rural em seu aspecto econômico. De um lado, a pobreza, ou melhor, a indigência, do camponês, aliás numa caracterização preciosa de detalhes. Do outro lado, a vida burguesa dos proprietários, o casal sem fi lhos — o marido colecionando brilhantes, a mulher criando uma boneca.
Se, ainda em duplicidade, o romance é, ao mesmo tempo, realista e fantasista, apreende a homogeneização pela linguagem simples e pela linealidade do estilo. A criação da boneca, um caso psicopático, não desce ao naturalismo fácil, acentuador de aspectos mórbidos. A impressão que fi ca é da ternura necessitada de evasão, a vontade de amor objetivada simbolicamente. Somente uma vez, mesmo num tema assim perigoso, Euclides Neto deixa-se vencer pela sedução fácil do naturalismo — é na descrição do aborto, uma página impiedosa em desacordo com sua natureza de escritor.
O quadro de miséria camponesa e a oposição vertical da riqueza dos que vivem em razão da exploração dessa miséria indicam, para o romance Os magros, a simpática classifi cação de um livro corajoso, combativo, um grito em favor da reforma agrária. Aí estará sua atualidade, desde que seus valores literários indiscutíveis justifi cam o interesse da crítica.