Maturidade cíclica
Jorge de Souza Araújo
Orelha em “Machombongo” - segunda edição - 2014
De volta aos entrechoques e conflitos do fenômeno agropastoril demarcado entre o sul e o sudoeste da Bahia, Euclides Neto retrata sem disfarces um coronel (e político que chega a deputado) desprovido de resquícios morais em Machombongo (1986), romance que reúne sociologia e psicologia, dispondo seu autor a um perfil painelista, melhor ainda, um costumbrista de contornos sutis. Não sendo um escritor urbano nem testemunha inconsciente de aparatos psicanalíticos circundando a personalidade humana, Euclides Neto é uma espécie de Zola rural, volta e meia convertido em Balzac, pois que, neorrealista, não desdoira descrever a sociologia da comédia humana recheada de desencontros. Mimético da observância do real transfigurado, o romancista de Ipiaú não contempla a realidade ofuscado pela beleza ou pela apatia, mas descrevendo-a, ficcionalizando-a com a rudeza dos instrumentos de análise lateral e perpendicular, acientífica porque literária, estética, intimista (até lírica) da épica contemporânea.
A caracterização dos perfis humanos surpreende-lhes os mais obscuros guardados da alma. O estilo dita a forma de cada romance, particularizando-o formalmente, seja pela sintaxe e comparação graciosa (Amolecido ficou o homem. Manso de cantar no dedo. Macio que nem couro de lontra curtido — cit., p. 14), seja pelo sarcasmo mordente e dissimulado (Mudou de roupa, trocando o cheiro de puba de gente gorda pelo perfume molhado com regalia — cit., p. 15). O coronel Rogaciano é o retratado machombongo, macho atrabiliário, pai de récuas de filhos legitimados pela sorte e pelo destino, armado de treitas para incorporar novas conquistas de mulheres, terras ou confiscos de direitos. A prosódia romanesca em permanente estado de celebração do contar, Machombongo é narrativa sem desfalecimentos. Cada frase é um invento, com catadupa de metáforas e imagens surpreendentes. Onde Euclides Neto economiza é na personalização onomástica. Personagens como o advogado Esequiel, por exemplo, saltam de Os genros para este Machombongo.
Discutindo aspectos que enfeixam até as relações da política com o Estado e com o governo, Machombongo imprime novos contornos temáticos e discursivos na dinâmica da obra de Euclides Neto, embora mantenha o núcleo das ações no predominante e mesmo recorrente universo rural. O episódico se equilibra ante a eventualidade anedótica. Nas eleições, de vingança contra o mando desleal do coronel Rogaciano, alguém (certamente um comunista, raciocinam imediatamente) havia botado bosta de galinha dentro do envelope dos votos. O romancista inova o discurso, opondo pessoas reais (Haroldo Lima, por exemplo) às ações deletérias do coronel protagonista. Rogaciano, em ocaso, delira antevendo perder as terras, ficar pobre, ter de trabalhar na enxada, tudo isso convivendo com os fantasmas de um passado de opressão e assassínio, de que ele intenta escapar — mas nem sempre consegue