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Forte e verdadeiro

Hélio Pólvora

Orelha em “Machombongo” - primeira edição - 1986

Vamos dizer a verdade: sucesso de público nem sempre significa qualidade. Consumismo em literatura deve ser visto com suspeição. Aí está o caso de Euclides Neto, um romancista que, praticamente confinado ao sudoeste baiano, faz por merecer há muito tempo audiência nacional, com todas as fanfarras.

Machombongo é o mais forte, bem estruturado e ambicioso romance do autor de Comercinho do Poço Fundo. Euclides Neto estrutura e dá consequência a um relato largo sobre a personalidade e os feitos de um deputado, fazendeiro de cacau e gado, indivíduo ignorante e atrabiliário, com algumas mortes na consciência — ou na inconsciência.

Raras vezes ficcionismo brasileiro apresentou retrato mais perfeito, mais acabado, de um coronel que já existia, com os seus desmandos e prepotência, antes do golpe militar de 1964, mas que frutificou durante os anos da longa ditadura, a ponto de se transformar em senhor feudal, com amplos poderes sobre a vida dos habitantes de sua região.

Além de acompanhar, com minúcias e veracidade psicológica, a escalada daquele deputado na riqueza e no poder, Euclides Neto traça, de toda uma região na boca do sertão baiano, um painel que tem vigor rústico de um Diego de Rivera e, ao mesmo tempo, amostras de arte sutil. O sofrimento das populações pobres, o estado de miséria e quase abandono em que vivem, as desigualdades e injustiças sociais, a par de outras denúncias, dão a Machombongo uma força que, transcendendo o romance, incorpora o documentário.

As tentativas de reação instigadas pela esquerda revolucionária e pela igreja da teologia da libertação também se fazem presentes nas páginas do romance, bem como retaliações que se seguiram. Por fim, o romancista recria um movimento de retorno às terras da serra do Machombongo, último reduto de inocência e pureza numa região devastada pelo latifúndio e pela inoperância do poder público.

Equilíbrio feliz entre documento social e ficcionismo. E além da evolução das situações, que estão bem encadeadas, comportando um plote e narrações paralelas, Machombongo se distingue pela linguagem, algumas vezes oral, outras vezes recriada com aquela alquimia que caracteriza, por exemplo, a ficção de Adonias Filho.

Grande romance de histórias acontecidas, este Machombongo. Tem tudo para se tornar logo um clássico dos nossos sertões.

ilustração: Adrianne Gallinari
Hélio Pólvora
Hélio Pólvora: Romancista, contista, cronista, crítico literário e tradutor.