Euclides Neto: o mais próximo de Machado
Jorge Medauar
Apresentação em “O tempo” - primeira edição - 2001
Se Machado de Assis é tomado como modelo literário, pela limpidez e clareza de seu texto, Euclides Neto, pelas mesmas virtudes, é um dos escritores brasileiros que mais se aproximam do mestre do Cosme Velho. Sua frase é muito cuidada. E as palavras que nela se articulam são muito bem-apropriadas para expressar o pensamento ou os sentimentos deste que é, sem favor, um dos melhores escritores da Bahia e do país. Vindo com sua enorme experiência literária, tanto de romancista, como de ensaísta ou articulista, sem que se esqueça do dicionarista, agora se inaugura na história curta, dando-nos os belíssimos contos deste seu O tempo é chegado, um punhado — ou na sua própria linguagem — um caçuá repleto de causos que vão além de meras histórias com começo, meio e fim, porque neles há que se apreciar o estilista e o técnico que conduz a trama da história com segurança e maestria. Em nenhum momento, nesse esplêndido tecido da melhor composição literária, o romancista de Os genros faz a menor concessão ao mau gosto ou lugar-comum, oferecendo ao leitor uma seqüência homogênea de criação ficcional, no geral o artista está vigilante para resolver os problemas que sempre ocorrem no curso de uma narrativa sobretudo vernaculares. Mas Euclides Neto vai contando com muita pessoalidade, passando por cima dos mata-burros ou das armadilhas de nossa língua, aliás eivada de acidentes que desafiam os menos preparados. E sempre cuidadoso, como o era o velho Machado, desfia suas histórias como as contas de um rosário. Seria muito difícil apontar como exemplo um único conto — antes fora necessário apresentá-los todos para que se possa avaliar a importância desse volume de pequenas obras-primas. Mas, além da palavra precisa, da frase aprimorada, do estilo genuinamente pessoal, sem ranço de influências subalternas, é preciso atentar para os temas, que são nascidos da terra que ele tanto conhece, se dela não fosse filho. Tem-se assim o que se poderia chamar a “universalidade” da obra, quando o autor canta bem a sua aldeia... para não deixar de lembrar Tolstoi. Passeia pelas ruas, pelas vilas, pela caatinga, pelas roças e povoados e conta o que vê no tabaréu, nos bichos domésticos, na simplicidade das mulheres, nos riachos e rios. Tudo lhe é familiar. Mas nem por isso descamba para a pieguice ou vulgaridade. Aí, sem dúvida, reside o valor do verdadeiro escritor, que sabe transformar o comum ou o simples em riquezas literárias.
Euclides Neto é escritor que não precisa de apresentação. Ele mesmo se apresenta com os créditos que possui, dando portanto melhor oportunidade para que se lhe conheçam as qualidades. Mal comparando, mas apenas lembrando, José de Alencar pretendeu apresentar Castro Alves a Machado de Assis! Pode? O maior poeta brasileiro já vinha com sua genialidade — e qualquer apresentação seria inútil ou banal. “Apresentar Euclides Neto é ficar sempre distante de suas qualidades. Para que ele seja melhor apreciado, é preciso retirar da verdade nua e crua o manto da fantasia”.