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Margarida Leal Cunha para Euclides Neto

Carta em “Birimbau” - carta - Alagoinhas - 1947

Euclides,

Acabo de ler o seu Birimbau. Claro que li com outra disposição – cem por cento mais disposta do que o que fiz com Vida morta. É que o seu segundo livro me revelou o Euclides, em toda a sua pujança de escritor jovem, talentoso e idealista. E, mais que tudo: humano e realista.

Terminando o convívio com o “confuso” Antônio, aprendi a querer bem ao Mário sonhador e saudoso... Ao primeiro, acompanhei por curiosidade. E a Vida, 1 apesar de na maioria das vezes ser Morta, sempre nos estimula a querer vivê-la – de qualquer jeito! A vida alheia então, quanto mais trágica e intensa, mais nos agrada e enche de curiosa atenção. Antônio foi o tipo de camarada que viveu uma “vida-morta”, porém cem por cento humano e real. O Mário se limitou a recordar a infância, seus primeiros anseios. O ideal embutido numa fazenda, ao som de um berimbau...

Antes de prosseguir, meu prezado Euclides, quero lhe fazer uma con- fissão. Aliás, já está feita, pois eu disse de início que acabo de ler... E já o deveria ter feito há mais tempo – logo que recebi. Perdoe-me grande falta pela maior franqueza: eu não o conhecia e o assunto do seu livro não me interessava. Comecei e parei... Até que o apanhei sofregamente na estante e trouxe-o comigo, com o maior carinho.

Apesar de tudo, no entanto, eu posso julgar seu livro sem suspeição. É bastante declarar que, tendo lido numa fase em que detestava a vida no interior, senti a felicidade quieta que ela nos traz em sua vida serena e normal. Apenas porque V. sente muito o que escreve e talvez só escreva o que sinta... Birimbau é deverás interessante. Quanta exatidão naquele começo de cidade – a formação de “Tesouras”. Que pitoresco na “festança” na roça, em homenagem ao visitante-estudante. O acadêmico com saudade do sertão! Os folguedos livres dos garotos “matutos”. As doenças e suas curas exóticas. O tabaréu sabido no “sr. Nelson” e o citadino desbocado em Artur.

Tudo. Tudo nele é real e tem sentido.

Creio não me enganar julgando-o dos tipos que se preocupam apenas com a ideia e nunca com a forma. Lembrador de que “as cousas valem pela sua essência e a essência está no espírito das cousas”... Contudo, eu gosto do seu estilo simples e natural. (Uma cousa é inerente à outra.) Agora, como na vez passada, outra no fim: por que aquela ideia de eliminar os agás iniciais!? Francamente, “sou contra”.

Para “Pepino Longo”: enquanto li Birimbau chovia copiosamente!

Quando o verei? Apareça e nos dará um grande prazer. Renovando meus agradecimentos – muito de coração pelo seu livro, aqui deixo o meu abraço fraternal.

ilustração: Adrianne Gallinari
Margarida Leal Cunha: Educadora (1923-1997). Esta carta de uma amiga comentando o primeiro livro do autor mostra que, desde sempre, mantinha correspondência com pessoas que comentariam seu texto. Hábito que conservará ao longo da vida.