José Amado Bahia Araújo para Euclides Neto
Carta em “Machombongo” - carta - Salvador - 1988
Meu caro Euclides:
Acabo de ler Machombongo, que entra firme na literatura brasileira.
Estilo positivo, viçoso, forte, a revelar a personalidade decidida, determinada, sólida, não titubeante do estimado colega, que acentua sua passagem nas letras de nossa terra com um livro palpitante e atraente.
Os tipos, ricamente ornamentados por descrições minudentes e caprichadas, revelam o seu profundo conhecimento dos homens que, apesar de tudo, ainda compõem a maniqueísta conformação das personalidades interioranas: o forte, dominador, opressivo, mas obsessivamente atormentado por ideias fixas de perseguição, representado pela figura de Rogaciano, ignorante, mas poderoso, porque economicamente substancioso, que, na verdade, jamais desapareceu do meio rural; e o fraco, súcubo, massacrado, que vive a esmolar comida à troca de penosa prestação laboral.
O livro, no modesto entender deste seu velho colega, serve para destacar o terrível desnível — real, efetivo, ainda lamentavelmente verificável e verificado — que continua a afligir o meio sertanejo, malgrado os esforços gerais que tentam extingui-lo ou, pelo menos, modificá-lo.
Segundo as minhas parcas observações, pelas poucas andanças que empreendo fora das urbes, tenho a certeza de que seu novo romance grava a verdade do sertão, a par de revelar, para nossa satisfação, seu profundo e percuciente conhecimento das coisas de toda a região (pessoas, fauna e flora), fixadas com riqueza inexcedível de conhecimento e trato. Até os neologismos, que não são poucos, como pude verificar à luz do meu Aurélio, ressoam agradavelmente, onomatopeicamente... É o talento, é a mágica do escritor, que, em muitas páginas, nos transmite prosa-poesia, ritmada na beleza às vezes rude, mas sempre cantante, de termos tipicamente regionais, locais, que se destacam com peculiar ressonância no falar do autêntico matuto.
Euclides Neto e José Cândido de Carvalho, os dois gigantes do romance sertanejo!
É isso aí, meu bom colega. E aplausos para a turma de 49, que tem, dentre outros dignificantes exemplos, um grande Governador, um grande Secretário e um grande Escritor.
Aceite afetuoso abraço, renovando o que lhe dei quando do lançamento da obra, com os meus votos de que futuras edições venham, merecidamente, consagrá-la.