Apreciação sobre a publicação de Dicionareco das roças de cacau e arredores
Margarida Cordeiro Fahel
Artigo em “Dicionareco” - 1997
Entende-se que a proposta de publicação do Dicionareco das roças de cacau e arredores é altamente significativa para a Editus. É especialmente oportuno que este texto seja aqui publicado. Esta é a universidade das terras do cacau. Cabe-lhe preservar a história, a cultura, a alma regional.
O Dicionareco das roças de cacau e arredores, como o chamou o autor, resgata o linguajar rural do trabalhador de nossas roças de cacau e de gado, de nossos arruados, e mesmo a linguagem trazida para a cidade por nossos pais e avós. O autor, profundamente lúcido quanto ao dinamismo da língua, como demonstra na apresentação, tem propósitos definidos: “Salvar as expressões regionalistas, antes que a televisão as destrua”. E deixa claro saber que as particularidades linguísticas impedem a massificação e são elementos de preservação da memória de uma gente. Critica com doce ironia os puristas que veem nos arcaísmos e nas corruptelas, ainda guardadas regionalmente, erros crassos. Enxerga a língua em sua potencialidade básica de comunicação, o que a faz essencialmente rica e criativa. É como ele diz: “Toda palavra leva uma carga emocional e uma intenção. É a intenção que lhe dá o sentido. O povo da roça gosta de palavreado. Se campeia um termo para expressar a ideia e não topa, inventa, entorta o que já ouviu em alguma parte e solta-o”. Demonstra o autor, ainda, estar alerta à força fonética, também responsável pelas modificações na trajetória de uma língua. Aliás, usa uma figura interessante para falar disso: “A dicção é como o girino, que perde fonemas, ganha outros, até firmar-se”.
A consciência da vitalidade da língua, da força dos fenômenos sociais sobre ela move o autor à luta pela preservação dessa fala tão expressiva do homem do interior da Bahia, particularmente dessa região do cacau. Quer preservá-la porque sabe que pela língua se preserva a identidade de um povo, de uma cultura, de uma civilização.
Daí, creio que a Editus deve, na verdade, agradecer a oportunidade de levar a público esse trabalho que faltava. Muitos, com certeza, lerão o Dicionareco com curiosidade; outros agradecerão a oportunidade de voltar a suas raízes, mas todos, com certeza, com especial prazer.