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Vencendo a crise do cacau

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1996

A região cacaueira não é só plantada de coronéis e descendentes, cheia de uma aristocracia decadente por causa da monocultura e do sol, e da bruxa, além das corrosões bancárias.

Existem exemplos admiráveis de como famílias venceram e vencem as crises e mantêm a dignidade dos que souberam e aprenderam a aproveitar-se da terra e dos seus recursos. No passado delas, a velha história dos chegados aqui ao brotar o século. Refiro-me às famílias do sírio-libanês Mamede Abdon Fair e de Cezário Calheira, com todas as virtudes de ambas. Trata-se do empreendimento Coisas da Terra, atualmente em Ipiaú, mas já se ampliando para Ibirataia, morada de todas elas. Labutam com cerâmica, empregam 120 trabalhadores, a maioria meninos da Escola de Menores e mulheres.

Tal investimento vai além dos lucros de Selma Abdon Calheira (casamento dos nomes das duas origens). Assim como pega o barro bruto para criar as suas obras de arte (potes, jarros, flores e frutos da terra), melhor ainda arranca o barro das classes mais pobres, sem nenhuma capacitação ela os transforma em exímios ceramistas. Dá resultado econômico? Quem o diz não sou eu, barro bruto também dessa terra — Ibirataia e Ipiaú. Quem o diz é o Suplemento Feminino do jornal O Estado de São Paulo, com fotografias de capa e páginas inteiras. Quem o diz é a recente exposição mundial feita em Nova Iorque. Aí está o reconhecimento artístico da prata da casa, para quem só acredita na de fora.

Outro destaque da família Abdon é o Menandro. O avô derrubou matas com o seu machado, pegou na enxada, plantou cacau. Trouxe à luz o distrito de Algodão antes pertencente a Ipiaú, hoje a Ibirataia.

Ora muito bem. Menandro, filho e neto de fazendeiros de dezenas de mil arrobas de cacau vive “à la godaça” (bem de vida), com seus viveiros que ocupam hectares, aproveitando os veios d’água das fazendas vasculhadas pela vassoura-de-bruxa. Emprega uma multidão de auxiliares que não tinha qualquer qualificação, e lida hoje com alevinos e tambaquis cevados. Uns são negociados aos milhões para os recriadores; os outros, às toneladas aos mercados.

Só mais um exemplo, dos muitos que poderia citar. Um neto de Mamede, o de nome Juscelino, montou enorme e variado horto florestal na fazenda. Vende flores, mudas de árvores decorativas e frutíferas, sementes e tudo que a terra e a planta produzem.

O importante é como se perpetua a tradição de famílias laboriosas que jamais conheceram o desânimo. E continuam cuidando da terra e do cacau, apesar de tudo.

Epa! Ia esquecendo-me do Viva Vida, investimento que aproveita todos os sucos e polpas das frutas regionais, inclusive silvestres.

Se vierem a conhecer a cerâmica Coisas da Terra, não queiram que Selma copie potes e objetos e frutos e flores de outros rincões. Ela não o faz. Seu trabalho, como diz o nome, é somente de coisas da terra, que por sinal, já andam expostas nos aeroportos e casas do ramo de todo o Brasil e até no exterior.

Dr. Cezário Calheira, neto do velho Cezário (lavrador de boa cepa), é prefeito de Ibirataia, incentiva tudo isso, além de voltar-se para a área rural e ser médico de grande conceito em todos os hospitais onde serve. Aí está uma pequena parte da saga de famílias lavradoras e pioneiras, vencendo a crise.

 

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).