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Recado para Itamar Franco

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1993

Continua o equívoco de pretenderem a solução dos problemas nacionais sem a prioridade da reforma agrária. Não é que ela seja uma panaceia para todos os males, como se imaginou com as eleições diretas, a Constituinte, ou, agora, com o expurgo do presidente, que, sequer, devia ter entrado. Mas há uma verdade universal, demonstrada: não existe país desenvolvido, mesmo capitalista, sem a criteriosa distribuição das suas terras. Esquecem-se que o solo é essencial como fonte de comida, matéria-prima, geração de trabalho. No milagroso Japão, foi McCarthy quem a implantou, após a Segunda Guerra, talvez para aliviar o sentimento de culpa pela bomba de Hiroshima. Os Estados Unidos, símbolo do sucesso econômico do lucro, estabeleceram-na desde o século passado. Na Itália, economicamente forte, capaz de suportar as turbulências políticas, de há muito ela aconteceu. Alemanha, Inglaterra… De lá, copia-se tudo: modernidade, livre empresa, consumismo, menos a política agrária.

 Praticamente continuamos como após a chegada de Cabral. Existe uma resistência doentia contra a reforma, mesmo sabendo-se que o “perigo comunista” (pretexto para combatê-la) passou. Resta um ranço, coisa entranhada na mente dos que não evoluem, conquanto falem em técnica-científica de ponta. Uma espécie de trauma da infância, fazendo visagem na casa-grande do inconsciente. O governo, que confiscou todo o dinheiro do povo (em atitude drasticamente estatizante), inclusive o que produzia, não causou tanto impacto como se tivesse desapropriado terras ociosas, sem função social.

É sabido que o emprego no campo custa 5 vezes menos que o da cidade. A terra já é uma fábrica instalada, com abundante matéria-prima, só precisando de abrir as portas e pô-la em funcionamento. Resolvendo a falta de trabalho, sem o que não haverá dinheiro para comer, frequentar escola e procurar o médico. Homem empregado é cidadão resolvido: espiritualmente, porque “cabeça parada é oficina do satanás”; e, materialmente, porque atende à subsistência.

 O senhor Cabrera, ministro da Reforma Agrária, era (!) sustentado pela maior bancada do Congresso (150 deputados), que sempre foi (!) contra a mesma reforma. Pode? Só se preocupava com os grandes empresários da agricultura, como ele, interessados na exportação, o que ocorre, aliás, desde 1500. E o argumento mais comum dos economistas burocratas é que a reforma agrária só produz para a subsistência dos assentados e não os capitaliza, integrando-os ao mercado. Ora, relatório da FAO e do PENUD, deste ano, nega tal afirmativa. E mesmo que só produzisse para matar a fome, o resultado já seria excelente, pois o maior drama nacional é o do estômago vazio. Sabe-se, contudo, que o assentado consegue a sua casa, permanece no campo, sem desgraçar mais ainda as cidades encharcadas de miséria, aumentando as complicações do transporte, esgoto, moradia, violência.

Todos falam disso. Infelizmente ninguém teve a disposição de decidir, investindo corretamente na terra. Atualmente a expressão reforma agrária está pior que antes, quando era pornográfica. Hoje entrou em desuso, indiferença total, arcaísmo, cabrerismo, com aquele ministro que só acreditava na mecanização desordenada, uso de agrotóxico que desgraça o solo e a água, desemprega e não distribui feijão para quem, no Brasil, precisa comer.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).