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O Preá

Euclides Neto

Camacan - BA - 1986

Há muitos os assuntos têm sido meio duros, contundentes e, às vezes, até agressivos. Era o tempo deles. Aliviemos a pena. Os ares cobram escrituras mais amenas. Vamos congelar também o pessimismo.

 Tratemos dos preás. Não me refiro aos silvestres ou aos das cabaninhas do joguinho divertido, muito comuns nas festas religiosas de largo, que, infelizmente, desapareceram com os brinquedos de guerras — os chamados eletrônicos. Quem vai trocar a brejeirice de um bichinho daqueles, no centro das casinholas, apertando o coração dos ingênuos apostadores, sem saber a porta ogival onde definir a sorte, por uma dessas engrenagens barulhentas em que a meninada aprende a arte de matar inimigos imaginários e ser violenta? Não me refiro igualmente às chamadas cobaias, coitadinhas, sacrificadas nos laboratórios em defesa da humanidade.

 Refiro-me ao porquinho-da-índia: pretos, brancos, pintadinhos, bargadinhos em castanho, tifutes, alvos e haja cor para eles se matizarem. Parideiras. “Pare como uma preá!”, porque enxerta no momento em que dá à luz, e com trinta dias os filhotes nascem. Aproveita, portanto, a quentura do forno anterior para o pão do seguinte.

 Os preás dos meninos da roça! Criados no canto da cozinha, sob as mesas, debaixo do fogão armado sobre quatro forquilhas, no cercadinho improvisado no fundo da casa. Todo mundo criava. E eles ajudavam a atravessar a sexta-feira magra dos agregados. Um petisco!

E nunca vi preá morrer de doença. E nunca vi preá deixar de parir. E para a sua contenção basta uma cercazinha de palmo de altura. E sua comida não é mais que o capim bengo sobrado no correr dos riachos, sem custos. E a higiene, nenhuma. Não pode é o estrume e o resto de capim (somente o caule lenhoso, pois roem quase tudo) entulhar o cercadinho.

 Deixamos de criar o preá. Inventou-se o coelho: sulista e europeu. Exigindo água limpa e corrente que não existe, até bebedor automático. Preá nem bebe água — pelo menos esta é a verdade consuetudinária. É que o líquido já vai no verdoengo capim de brejo. O coelho pede mordomias de ministros da velha república, pisos suspensos, alcovas onde parir, berçário, proteção contra os ventos e umidade, e assepsia de sala cirúrgica do Instituto do Coração para prevenir o fedor amoniacal de xixi. Sem falar em comida importada, gaiolas de arame zincado. E haja remédio de remela, piolho, sarna, disenteria e o etc. ocuparia uma página inteira. E uns comem os outros. E os pais devoram os filhos. E aparecem umas epidemias que entortam o olhão nojento, extirpando-o. E não podem ficar juntos. Ao contrário do preá, que vive perfeitamente em completa promiscuidade democrática.

Se o coelho é maior que o preá no momento do espeto, não paga a pena as peripécias de criá-lo, aqui. Mas entra a mentalidade de hoje: ninguém quer fazer o que o comum das gentes sempre fez e deu certo. Há o medo de parecer atrasado, para não dizer autêntico, fora de época, longe da tecnologia e dos centros avançados. Abandonamos os hábitos que sempre deram bom resultado aqui nos matos, pelos que poderão ser corretos em outras paragens.

 Voltemos, pois, ao salutar costume de criar o preá da Índia: prolífico, rústico, sem exigências, que produz proteína sem as complicações do coelho; este maior, bem verdade, porém carente de instalações e cuidados incomparavelmente mais caros.

 Criar coelho na região como experimento, correto. Em pequena escala, até provar que, por enquanto, não é o mais indicado. Ou melhor: deixando um grupo testemunha de dez preás para cada dez coelhas. E vamos ver o resultado no bico do lápis. Ainda dou uma colher de chá: às preás basta bengo e defesa contra os gatos.

 Fica a sugestão, meu estimado Dr. João Hildebrando, vibrante e competente defensor da Fazenda do Povo.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).