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O Burareiro

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1996

É o minifazendeiro de cacau. Colhe 100 arrobas. Ano ruim, como agora, cai para 50. Mora na roça. Casa simples, mas de telha, rebocada e caiada. Piso de tijolo queimado na olaria do vizinho. No oitão, o pequeno curral, que abriga cinco reses, sendo duas vacas. Tira seu leitezinho mais avultado no tempo das jacas maduras.

Na safra destas, a merenda das leiteiras fica mais farta e doce. Fora daí, a ração passa a ser de tamboeiras e raspas de mandioca, imprestáveis para a casa de farinha. Do alguidar saem a farinha e os beijus de todos os gostos: de massa, de goma, de coco, de folha. Sem falar na tapioca, que dá bolo, mingau e, melhor ainda, torrada, também com coco e açúcar. Se quiser variar, deixa a mandioca no ribeirão, pubando. Pouquinho de paciência e pode ter mais beijus e bolos diferentes. Não faltam aipim, inhame quiçara, banana-da-terra, da prata, sinhazinha, d’ouro, d’água, abóbora batida com leite. Café gordo colhido da tarefa e meia dos aceiros da roça de cacau. Feijão guardado de uma safra a outra, misturado com areia bem seca, para evitar gorgulho. No fundo da casa, o poleiro das galinhas, saqués, perus, alegrados pelos galos cedeiros.

Vê-se que Matias Barnabé da Silva é um burareiro caprichoso. Vive naquela terra faz tempo. Plantou tudo que nela existe. Desde o madrugar do século. Inclusive jaqueiras, mangueiras, abacateiros e toda vicissitude de comer. Conhece cada árvore como se fosse um filho. Engrossou os músculos com elas. Tivera e criara muitos meninos que estanharam pelo mundo, hoje comerciantes, motoristas, gente graúda. Tem até vereador pelo meio. Enviuvou duas vezes. Mas não lhe falta companheira para esquentar suas costelas. É quem o ajuda na colha, na quebra e na secagem do cacauzinho. Sem falar na farinhada e nos beijus. Barnabé é quem carrega o cacau sobre o ombro calejado. Seca-o. Não tem burro de carga, para não tirar a vaga de uma leiteira. Todo serviço é feito por ele e a companheira.

Duas tentações na vida: tomar empréstimo e botar mulher por conta. Resistiu a ambas. Da primeira, quer distância, nem passa na porta de banco; da segunda, porque sempre resolvera bem suas dificuldades da solteirice com uma mulher madura, ainda forte, que fosse boa no fogão, na pedra do rio e na roça, nas horas vagas. E no mais, que ninguém é de ferro.

Tem dinheiro na mala. Escusado dizer que só vende cacau na balança. Só compra a dinheiro. Com toda crise, ainda este ano, vai dar volta ao mundo, indo a São Paulo, em viagem de turismo, visitar dois filhos. No ano passado, fora até Nanuque, passar uns dias com outro.

Fica agoniado quando está fora.

Sempre se arrepende ao retornar: da última vez o sariguê comera uma galinha de pinto, a pedrês, com uma ninhada de 11 buguelos.

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).