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Lula e Mandela

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1994

 

                Será que podemos fazer um paralelo entre as eleições de Mandela e Lula? Já houve no mundo uma virada democrática maior que o último pleito da África do Sul?

                Qual a diferença do apartheid contra negros de lá e pobres (negros, cafuzos, índios, pardos) daqui? Onde morre mais gente nas ruas e nos guetos? Lá, ao menos, a morte, mesmo dos famintos, se veste de um ideal, com o heroísmo da luta, sangue em fogo nos confrontos pela libertação; aqui, é a morte indigente, fria, a morte pela fome. Lá havia um punho cerrado, o ódio fervendo; aqui, no máximo, um gemido ou o nada do silêncio da inanição. Lá, os brancos do poder autorizavam a carnificina, dentro da lei. Aqui, é o Estado Branco autorizando-a, sem qualquer lei.

                Lá, a elite — os donos do dinheiro, das minas, das canas, dos quatro quintos das terras, dos altos burocratas, donos dos privilégios — que mandava há séculos, prendera Mandela por 27 anos. Aqui, um operário escorraçado da seca, peregrino da agonia do Nordeste, também preso, não tanto tempo, porque aqui há um apartheid dissimulado. Será que se dependesse dos brancos da Fiesp Lula estaria solto? Não temos uma maioria negra (pobre) como lá (68%), que escolheu o seu líder?

                Não nos falta, sequer, um Desmond Tutu: D. Hélder, Frei Betto, e, se quiserem, um mais perto, ali em Juazeiro, D. José Rodrigues; ou em Itabuna, D. Paulo; ou D. Jairo, em Jacobina. Nem falta a luta fraticida entre as tribos rivais (CUT, CGT) e outras menores.

                Os brancos de lá não são mais ferozes. Portanto, que os daqui recebam a vitória da democracia, a ruptura desse sistema deformado, ao menos como os de lá, resignados, céticos, bem verdade. Convencidos de que haverá um Brasil com participação da maioria dos seus habitantes, livrando-o de um apartheid de 500 anos.

                Não tenham receio das pressões dos países capitalistas, sobretudo do Grupo dos Sete. Todos eles estão indo à posse de Mandela. Querem é ganhar dinheiro. São capazes até de negócios limpos. Precisam, sim, de rédeas curtas.

                Lula, desde agora, deve ir acompanhando as atitudes do líder sul-africano. Seus acertos e erros (a condição pra acertar é ter a liberdade de errar). Aproveitando seu exemplo. Com a sua equipe, inclusive ele próprio, Lula, vacinado contra os micróbios (ambição pessoal, vaidade, corrupção, preguiça, autoritarismo, orgulho, espírito de desforra), que vivem em latência no Poder, aguardando o instante da predisposição orgânica para instalar a doença da improbidade.

                De logo, há um ensinamento luminoso de Mandela a seguir: “Chegou o tempo dos homens e mulheres, africanos, mestiços, de origem indiana, brancos, ‘afrikaans’, dizerem que somos um país, somos um povo”. E um povo irmão, acrescentamos.

                A você, Lula, compete dar o exemplo às elites, ensinando-lhes a fraternidade entre todos os brasileiros.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).