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Lembrai-vos de Canudos

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador-BA - 1997

Um dos maiores equívocos de Hitler, que perdeu a guerra em Moscou, com a chegada do inverno, foi não levar em conta o óbvio do desastre de Napoleão pelo mesmo motivo.

E o que isso tem a ver com Canudos? É que podemos cometer um erro semelhante, esquecendo que um punhado de rústicos catingueiros, acuados em um buraco feito caças indefesas, venceu três expedições de tropas regulares. Direção: naquele tempo as armas não eram tão modernas como as atuais. De sofisticados, imaginem, havia um canhão — a matadeira — totalmente obsoleto quando o Exército dispõe, hoje, do que existe de mais moderno, capaz de destruir uma Canudos entre um gole e outro d’água.

Mas não nos esqueçamos que as forças mais poderosas do mundo foram escorraçadas, mesmo usando artefatos proibidos (napalm), pela Coreia do Norte, que fabricava armas até com estiletes de bambu.

Semelhanças: a justificativa contra Canudos seria porque o Conselheiro pretendia derrubar a República. Agora, a paranoia ainda é o fantasma de uma revolução socialista, e, em consequência, a ameaça à propriedade rural, a mesma dos coronéis do fim do século passado.

Diferenças: Canudos estava concentrada num vale do Vaza-Barris, alvo fácil e único para ser atingida pelos militares. Nem havia a tática da guerrilha que levou cento e tantos inexperientes estudantes, profissionais liberais e alguns operários a brincar de chicotinho-queimado, durante bastante tempo, no Araguaia, contra todas as Forças Armadas. Canudos era uma só, fixa, peito aberto, quase sem a possibilidade de deslocamentos e retiradas estratégicas. Terreno desnudo de florestas, conquanto existissem as pedreiras das tocaias. Todavia, as ocupações dos sem-terra hoje são centenas: milhares, talvez, com as planejadas, pelo Brasil inteiro. Muitas Canudos em potencial. Ainda bem que os trabalhadores têm levado os seus movimentos ao som de cantos, ladainhas (começa assim), preces, com resquícios de “apanhar numa face e oferecer a outra”, pregados pelos padres, querendo somente a terra e a paz.

Mas os sem-terra já estão falando em ódio contra a UDR, adubado com a impunidade. E o Exército se coça para intervir, em nome da ordem, contra as criaturas dos Conselheiros atuais.

Não esquecer que no Araguaia a população regional não se empolgou pela luta. Mas as ocupações dos sem-terra contam com o apoio de políticos, religiosos, classe média, trabalhadores urbanos; ajuda, não de Moscou, mas da Europa, inclusive de reis. Além do interesse de milhões de companheiros, espalhados pelos grotões, desejando a rocinha própria.

Lembrai-vos, por conseguinte, de Canudos!

 

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).