menu play alerta alerta-t amigo bola correio duvida erro facebook whatsapp informacao instagram mais menos sucesso avancar voltar gmais twitter direita esquerda acima abaixo

Governo delicado

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1991

 

                É válido crer na utopia de um governo decente, empreendedor e delicado. Não vemos dificuldade em cumprir aquilo que o homem comum, o chamado bom pai de família, quer. Custa menos fazer o bem que espalhar o mal. Basta que os eleitos cumpram o que prometem antes das eleições. Nada mais.

                O Executivo viveria harmonicamente com os demais poderes. Sem a ideia fixa do período ditatorial, quando o presidente da República caçava e cassava, arrebentava e prendia. Pressionava os poderes Judiciário e Legislativo, que chegou a trancar.

                Os que fizeram parte do sistema àquela época gostariam ainda de continuar encarcerando deputados e demitindo juízes, mantendo-os em total submissão. Como não podem chegar a tanto, ameaçam velada ou, explicitamente, aproveitando-se da fraqueza de alguns.

                Vive-se clima de intranquilidade. Difama-se. Calunia-se. Macula-se. Intimida-se. Chama-se a isto de autoridade. Fala-se muito em modernidade-ciência-tecnologia, mas o método político-administrativo é o do começo do século.

                Teríamos um Legislativo que fosse o olho do povo. Seu protesto e seu aplauso. Fugindo do egoísmo, sem a desculpa menor de carecer ganhar mais porque paga remédios, passagens e ajudas a cabos eleitorais, em uma confessada instituição do fisiologismo. Gostaríamos de ter deputados pensando livremente e não pela cabeça do Executivo. Seriam liderados, sim.

                Jamais medrosos meninos-de-mandado. A oposição vigiaria. Todos com responsabilidade. Aliás, é bom testemunhar que existem deputados agindo exemplarmente.

                Que houvesse um Judiciário independente, acreditado, infenso à preocupação de agradar ou desagradar, esperando vantagens e honrarias. Capaz de, com absoluta isenção, julgar os atos de todos. O velho Nestor Duarte dizia que a maior qualidade do juiz é a coragem. Estava certo o mestre. Aliás, existe uma plêiade na magistratura do melhor rubi. Gente igual ao desembargador Raimundo Vilela que, já após o golpe de 64, se colocou entre a turba enfurecida e o prédio da Justiça do Trabalho, em Ipiaú, mandando abrir fogo caso os “heróis da primeira hora” tentassem depredá-lo.

                Quero ver alguém ter a ousadia de pretender influenciar uma decisão do dr. Jaime Bulhões. Só para dar dois exemplos.

                O povo quer um governo aplicando os recursos nas prioridades sociais, sendo probo, sem alardear o feito com a propaganda, gastando os minguados recursos dos investimentos —em detestável corrupção mascarada.

                Governo sem perseguição e mau humor, que termina intranquilizando a todos. Um governo sincero que faça como as mãos o que prega com os lábios. Sem rancores. Respeitoso. Reconhecendo que, eleito um governador, não haverá adversário a perseguir, nem correligionário a receber vantagens. Existirá somente quem contribuiu para a escolha democrática do representante de todos.

                Seria a figura do bom pai de família. A autoridade não vem da perseguição e do temor. Isto é autoritarismo, sempre precário. A autoridade duradoura vem da verdade, da justiça, do exemplo, da coerência da vida pública do governante. É mais do afago que do berro e da hipocrisia. Como pode ter autoridade quem enriqueceu na política e, da tarde para a noite, fantasia-se de Vesta a pregar moralidade? Ninguém teve mais autoridade que Otávio Mangabeira e, no entanto, foi um governo delicado como definiu um popular.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).