menu play alerta alerta-t amigo bola correio duvida erro facebook whatsapp informacao instagram mais menos sucesso avancar voltar gmais twitter direita esquerda acima abaixo

Democracia?

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador-BA - 1989

Fazem guerra à estatização, mas vivem das burras do Estado, agarrados ao seu marsúpio, regalando-se no apojo dos empregos, leilões, obras, fornecimentos, créditos e mordomias. Em resumo: gostam, eles próprios, de serem estatizados.

As 500 maiores empresas do País geram 46% do produto interno bruto. Outra parte fica para as que estão abaixo, ainda grandes. Bem, o resto fica para o resto.

Certamente entre os 800 mil empresários que deixarão o Brasil se determinado candidato for eleito presidente, estarão os donos das referidas 500 empresas (excluídas as estatais). E tomam a posição extrema porque não abrem mão da hegemonia do mando.

E onde está a tão propalada busca da harmonia entre o capital e o trabalho?         Democracia, sim. Contanto que só o capital pegue na bússola. Aliás, essa é a interpretação do Irmão do Norte, que são democratas na condição de que os dois partidos, que se revezam na Casa Caiada, defendem, intransigentemente, a prevalência do capital. Quando acaba, condenam o regime do outro extremo, que só permite a hegemonia do trabalho.

Democracia, sim. A liberdade para que todos sejam iguais perante a lei votar e que possam votar e serem votados, contando que um trabalhador de verdade não assuma a presidência.

O poder emana do povo, mas só poderá ser exercido por quem jura fidelidade sobre o talão de cheque. E tanto que outro candidato, até dos melhores, com receio de ser mal interpretado, sapecou o choque capitalista. Jamais o juramento pode ser sobre uma Carteira do Trabalho.

Que democracia é essa?

Não se tem, sequer, o pudor de mascarar os propósitos. Confessa-se desabridamente. Ame-o (o Brasil), sim, desde que alimente o lucro, a especulação, contendo salários. Caso contrário, deixa-o para gozar as contas lá de fora, sangrando a pátria, endividando-a, deixando-a exangue. Se com simples ameaça aos seus interesses os paranoicos pensam em abandonar a pátria, que fariam se corressem o risco de morrer por ela! Não cantam o Hino Nacional, pois. E, se acham tão prejudicial a vitória de um candidato, por que não ficam para defender o torrão natal? A solução é a fuga confortável?

É para isso que defendem a privatização? Onde moram tais cidadãos? Têm casa aqui, próxima aos seus negócios, mas a alma está no estrangeiro? Imagine-se tudo privatizado — Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil, etc — e, de uma para outra hora, viram meninos malcriados e dizem: — Vamos fugir, não dá mais! que papelão, seu Amato robertão!

Seria bom que moscassem mesmo. Pelo menos não remeteriam mais dólares para as duas numeradas. Bom também que um governo sério saiba quem são eles e examine o imposto de renda. Na impossibilidade de um golpe à 64, pretendem outro — a chantagem econômica. Pois, sim. Vão tarde com a sua usura, e deixem-nos em paz, para construirmos um Brasil não tão potência, porém mais feliz e alegre, com suas tradições, seu carnaval, dominó, futebol, seus cantos, cuscuz, acarajés, feijoadas, trabalho, morada, escola, saúde para todos. E esperança. Do que adianta sermos a oitava potência se estamos também entre os primeiros na miséria?

Em que artigo da Lei Mãe está escrito que operário não pode ser Presidente da República? Precisaria da aprovação da Fiesp? Se precisava, que o TSE fizesse antes a consulta, a fim de evitar a farsa de termos um poder que se imagina superior à própria lei.

Para eles, todos podem ser candidatos, contanto que, sendo eleito, defenda somente o poder econômico, servindo apenas para colorir a democracia.

Que segurança pode ter um regime em que uma classe dominante — oitocentos mil cidadãos, dentre cento e trinta milhões — ameaça deixar a Pátria (em bisonha greve) se um candidato registrado, do partido legalizado, for eleito? A livre iniciativa permite que se chegue a tanto?

Que covardia é essa? O capital não é tão poderoso? Não significa o outro lado do desenvolvimento, juntamente com o trabalho? Por que este não pode entrar na roda do samba e, cantando a sua chula, sair em seguida para dar lugar ao outro parceiro, na salutar alternância do poder? Não combatem a mesmice dos países socialistas? Não já fomos governados durante 489 anos pelos reis, marechais, doutores, latifundiários improdutivos, empresários, por que não pode agora ser um torneiro?

Que democratas são esses?

Ou é medo de dar certo a mudança e desaparecerem os privilégios, distribuindo-se melhor a riqueza. E aí foi-se tudo que Marta fiou…

Ferir a democracia é como apedrejar uma lagoa: formam-se ondas concêntricas que perturbam a todos, inclusive a quem tenha outro candidato.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).