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Convalescença

Euclides Neto

Folha do cacau - Camacan - BA - 1985

Tenhamos as dores mais brandas.

Não há enfermo que não precise de convalescer, o que, às vezes, demora mais que a moléstia. O nosso paciente, atacado pelas mazelas de vinte anos e bote força, não pode levantar-se, estirar os braços e dizer: estou bom. Só no tempo de milagre! E este, quando ocorreu, nós vimos que não passou de um engodo. Os achaques foram tantos que só um longo período levará o acamado à completa cura. Alguns querem-no de pé, correndo, sem qualquer sintoma do mal. É impossível. Os remédios ainda lutam para debelar as infecções. De vez em vez, surgem a febrezinha relutante, a dor de cabeça, o aumento da pressão que chegou a 14, tendo voltado a 9.

São, contudo, mostras de considerável melhora: as eleições diretas para os municípios de exceção, inclusive as capitais, as greves livres, sem polícia, cachorro e cavalo, a consulta ao povo sobre os vários programas do executivo, o encolhimento do decreto. Um Ministério da Cultura. A queda da censura. Waldir Pires ocupando primeiro escalão. Um poeta no Alvorada. Sem revanchismo, tortura, cadeia ideológica. Os focos de infecção estão sendo drenados, supuram nos Abi-Ackel, bomba do Rio Centro, sequestro de Baumgarten, etc. Os incômodos da corrupção não foram de todo afastados, mas eles carecem de período mais longo de fisioterapia intensiva, e democrática que demanda tempo e exercícios contínuos. Todos os nervos, ossos, medula estavam comprometidos.

Assistimos prefeitos no Congresso, pressionando para a reforma tributária logo (e já), tentando revitalizar as extremidades do fabuloso enfermo. O nosso município conhece a implantação do Partido Comunista Brasileiro, com bandeira, foice e martelo, símbolo da sua filosofia voltada para o trabalho, tendo como seu presidente um alfaiate. Há muitos anos, antes mesmo de 64, não víamos a liberdade de pensamento campeando para todos. Estamos nos ombreando à França, Itália, Japão, Grécia… onde o pensar não é privilégio. Lentamente vamos acabando o preconceito contra o marxismo, que antes servia para desviar a atenção popular, enquanto capeava solta a corrupção. As filosofias, religiões, crenças de um modo geral precisam vadiar como meninas de colégio em recreio. A verdade não é de ninguém.

Não podemos, pois, afirmar que as coisas estão como antes. O nosso Hildebrando Nunes Rezende, escapado de enfarte, leva Ipiaú a todos os ministérios, arranca verbas, compromete altos dignitários do país e, se mais não tem conseguido, é porque, iniciada a Nova República no terço do ano, só no próximo os orçamentos podem consignar recursos mais fartos. Nosso Waldir Pires saneia a Previdência e aquilo que era caso de morte, não ter jeito, coma irreversível, volta a suspirar, dizer-se viável, só com o remédio da honradez.

É tempo de convalescença. Com fé. Toda a Nação se mexe, acorda. Sarney declara na maior tribuna do mundo — ONU — que somos livres, pagaremos até o que não comemos, mas sem a escravidão.

Que são seis meses para sarar a “septicemia” tão aguda e prolongada? Se aqui e ali sentimos a presença de sofrimentos, nota-se, igualmente, o estado geral democrático, livre, os jornais a diagnosticar os jetons safados. E todos nós, células do conjunto, fibras do mesmo organismo, precisamos contribuir, cada um, no que puder, para o restabelecimento completo do Brasil.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).