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Canudos e o “EL Niño”

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1997

Artur Ferreira, que dirigiu a Sudene na Bahia durante muito tempo, pensa em elaborar uma cartilha, ensinando a conviver com a seca, a ser distribuída nas escolas do semiárido. Nada mais oportuno, apesar da tendência de levar ao ridículo as coisas simples e úteis. Antigamente havia o livrinho O Bom Homem Ricardo, que instruía os meninos a respeitar os pais, levantar-se para ceder o lugar a velhos, velhas e gestantes, pedir desculpas e licenças. Muita gente aprendeu educação doméstica e ética ali, mais do que nos tratados de propedêutica da Universidade. A cartilha de Artur deve fazer parte do currículo como português e aritmética; mais importante, porque vai ensinar a continuar vivo.

Certamente soube que nós, quando na Secretaria da Reforma Agrária, chegamos a lavrar uma, com o mesmo objetivo. Os originais devem ter ficado nas gavetas da insensibilidade humana, após a extinção daquele órgão, mais preocupado com a tecnologia de ponta.

Agora me ocorre uma ideia. Peço aos canudenses: tragam-nos lições de como o Conselheiro convivia com o sol. Sabemos do excepcional desenvolvimento produtivo e comercial do célebre movimento, acompanhados das soluções práticas, que poderiam, até, servir de inspiração a muitos governos de doutores. Temos notícia que no período de 1893 a 1987 não houve grandes estiagens. Mas sei do empenho do Conselheiro em construir açudes e aproveitar águas subterrâneas, antes da existência dos poços tubulares. Conheço uma sugestão, em decálogo, do meu Padim Pe. Ciço. Precisamente de mais.

A parte histórica, sociológica, antropológica, psicanalítica, arqueológica, política, ideológica, filosófica, econômica, agrícola já foi tratada exaustivamente. Examinada por mil ângulos, sem faltar o lado messiânico e artístico. Os grandes latifundiários dispunham de imensas áreas que exploravam sem função social. Canudos, não, estava confinada num território relativamente pequeno. E já “neoliberal”, produtiva e competitiva.

Afirmar-se que Belo Monte era um oásis no vale do Vaza Barris é pouco. A pequena irrigação não dava para gerar a segunda civilização da Bahia. Além disso, havia a plantação de sequeiro. Bem verdade que entre a Termópolis brasileira e Geremoado existe um alagadiço, mas aí, ao que me consta, não atuavam os agricultores-guerreiros. Sabemos do milagre da criação de bodes e o valor da sua pele, que exportavam. Mas o que precisamos conhecer é como lidavam com a falta de chuva. Socorro, Santo Antônio Conselheiro.

Defenda-nos da Matadeira, hoje chamada El Niño.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).