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Cacau — o fruto de ouro

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1990

Conta-se que os fazendeiros de cacau, em comissão de alto nível, queixaram-se ao Criador que o preparo do seu produto estava saindo muito caro e o preço lá no chão. Pediram que os frutos, quando maduros, virassem ouro.

O Criador, atencioso com quem lhe preparava o manjar, e, diga-se de passagem, receoso de uma greve, atendeu:

— Voltem tranquilos. Não nesta, mas na próxima Lua, todas as flores serão polinizadas com material genético capaz de gerar frutos de ouro.

Imaginem a expectativa. Acostumados com os políticos da região, ainda houve quem duvidasse.

Como se tratasse do Criador, sempre boa paga, única qualidade exigida para alguém ser Varão de Plutarco nessas paragens grapiúnas, cresceu a esperança.

Dito e feito. Veio a Lua nova, as chamadas almofadas florais abotoaram flores que se abriram. Apareceram os bilros, cresceram, alisaram. Devesaram. E até fazendeiro, que nunca tinha ido à roça, para lá se dirigiu, esperando que os cocos madurassem. Ninguém sabe quem colheu os primeiros. Dizem que foi gente de Ipiaú.

Desembestou a notícia. Os frutos, como as flores eram iguais aos comuns, criando certa desconfiança. Aliás, não podiam ser diferentes, pois todos sabiam que cacau era conhecido como árvore dos frutos de ouro.

Não atalhando a conversa que adiante vá, muitos lavradores levaram as cabaças para o ourives tocar. Feita a titulação, ele voltou com os olhos faiscando:

— É ouro gente, gente! É ouro!

Houve ribombos de exclamações:

— Ou… ou… ro!!!!!!!! Viva o Criador. Ele é o maior, mesmo. Ninguém tenha mais dúvida.

Foi imediatamente aprovada uma moção de agradecimento, e compromissos de levantar uma igreja em cada fazenda que tivesse produção igual ou superior a cinco mil arrobas. Catedral nas de mais de vinte mil. E capela nos outros casos.

O ourives, feliz — bota feliz nisso — atendendo nova solicitação, voltou ao laboratório, mexeu nos apreparos e, quando retornou, foi com um megafone, tal a multidão na praça, que, segundo um bacharel, estava lateralmente cheia (lateralmente, claro, é mais que literalmente, no dicionário local). Anunciou:

— Bravo, e é ouro 18. E não 12.

Foi nesse momento que se ouviu o protesto mais veemente que a exclamação inicial:

— Arre! ouro 18. Agradecemos. Queremos ouro 24. Caso contrário, não recebemos.

Houve vaias, dois abaixo-assinados preencheram uma resma de papel pautado, o líder convidou os heroicos companheiros para uma greve e queima de sacos de cacau em praça pública.

O Criador é bom, mas dá bordoadas. Ninguém facilite com Ele, sobretudo quando se encarna em seu Filho, o do chicote do templo. Que não fez por menos:

— É assim, ingratos, pois, então, nem ouro, nem prata, nem bronze, vai ser de m… (impublicável).

Mas, traduzindo no castiço local:

— Pois, então, cacau, de agora por diante, vai virar conena de gente.

Virou mesmo. Não compensa nem colher.

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).