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Buscando o tempo perdido

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1991

 

                Dizem os números que desperdiçamos por ano US$ 51 bilhões de comida e 40%, nas construções e indústrias. Mas não se tem a estatística do tempo desperdiçado na futrica política, cujo prejuízo deve ser bem maior, pois que em dinheiro, vidas e valores morais.

                Realmente: preciosas horas são atiçadas no lixo, quando se briga, xinga, injuria, com o cínico entendimento de que "se o adversário não tem rabo, pespega-lhe um do tamanho que nos interessa".

                Lendo, ouvindo e vendo as páginas e programas políticos lá estão as diabrites. O Executivo faz o "tiroteio"- (expressão já cunhada) contra o Legislativo, que devolve a virulência. Aí se eterniza qualquer discussão sobre mortalidade infantil, estradas vicinais, morada popular, escola primária, plantio de cultivares resistentes à seca, recursos hídricos no semi-árido, assentamento dos sem-terra. Intriga-se. Boicota-se. Conjuga-se o verbo obstruir em todos os tempos. Se lhe convém, até o Executivo alimenta o comportamento.

                 Os Poderes, que deviam ser harmônicos, transformam-se em rebolo de galo de briga, com esporões e bicos afiadíssimos de aço. Não faltam os que gostam de "ver o circo pegar fogo" ou "quanto pior, melhor".

                 Não se trabalha, agride-se. O respeito e o debate a nível razoável, já que o alto seria impossível, não existe. Passamos a assistir ao bate-boca horizontal.

                 Os que receberam propinas, entraram em negociatas, empregaram parentes, aumentaram os próprios salários, aposentaram-se sem escrúpulos, organizaram caixinhas como uma instituição legal, enriqueceram, enfim, nos cargos públicos, todos, com uma falta de pudor de fariseus, não se pejam de, pela televisão, jornal, rádio, tribuna, barrufar os adversários impiedosamente. E, quando chegam os novatos, não têm outro exemplo. Seguem a trilha. Com as exceções de sempre.

                 Esgaravatam a vida um do outro como se procura verme em fossa de hospital. As leis não são discutidas, os planos ficam no caminho, as obras não aparecem, porque o tempo é consumido na maledicência recíproca. Verdadeiros mastins percorrendo os atalhos da discórdia, babando nas falas, mordendo, enraivecidos.

                Por que não se aplaca esse ódio, e há um pacto de respeito mútuo, uma anistia dos rancores? E que apareça algum herói para dizer: — Agora, vamos cuidar da vida do povão! Povão que gostaria de gritar: — Senhores deputados, governador, prefeitos, vereadores, vamos esquecer os recalques, as invejas, as frustrações, os preconceitos, os traumas recônditos, a hipocrisia. Trabalhem! A situação precisa da vigilância da oposição, que é mais útil, quase sempre, que os áulicos da bajulação em busca de proveitos pessoais. Mais respeito!!! Assumam o papel de quem verdadeiramente devia nos representar. Quando o Executivo macula o Legislativo e este retribui no mesmo tom, ambos estão se desgastando, Criando essa generalizada descrença dos políticos, que são os maiores culpados da própria imagem negativa. Também é corrupção ganhar tanto só para denegrir a honra alheia. E muitos, além de não construírem, desprezam e desestimulam os que pretendem cumprir as promessas que fizeram. Estes felizmente ainda existem.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).