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As lágrimas

Euclides Neto

Folha do cacau - Camacan - BA - 1986

Os poetas cultuam e cantam as lágrimas como os jardineiros cultivam as rosas, cravos e hortências. As lágrimas da saudade, as piedosas, as do ódio. As da morte. No seu multicolorido as do riso. Entrelaçadas nos momentos de alegria ou nos sofrimentos que chegam ao histerismo é o buquê dos sentimentos paradoxais da humanidade. No dizer do poeta doentio a lágrima é o pus da alma. Mas é o amor da mãe ao primeiro vagido do seu rebento. Como é o romper do gozo da virgem na noite de núpcias.

As lágrimas da felicidade tinham desaparecido no Brasil.

De uns, porque perderam a sensibilidade humana. As lágrimas passaram a ser piegas, ridicularizadas, estávamos frios, vivíamos tempos de indiferença, computadores, dólares, operações no open, economistas e cálculos logarítmicos. De outros, porque de tanto vertê-las no infortúnio, na fome e no desespero não mais as tinham para derramar.

Da noite para o amanhecer o país renasce. Volta a chorar emocionado. E nem Maria Conceição — a economista! — se incomoda de chorar pelo vídeo as lágrimas da vitória.

Estamos salvos. Se nada der certo, basta a demonstração de que o tônus do tecido social continua intacto, reagindo ao estímulo, no que pese os anos de enfermidade. Os sinais vitais da nacionalidade estão hígidos. O povo vibra e assume o poder nas ruas. Volta a acreditar.

Não vem ao caso que sejam as lágrimas de uma portuguesa de nascimento. A pátria também é dela. Aqui está há trinta anos. E, por opção, escolheu o Brasil como o seu novo lar. Igual, portanto, ou com mais mérito, a quem o tem por nascimento. Não bastasse a naturalização, temos de lembrar que ela é também do nosso sangue (vindo para aqui em 1500), diluído no dos pretos e no dos tupinambás, nossos irmãos. Somos irmãos!

Pouco importam, agora, as lágrimas do remorso dos que tanto fizeram o povo sangrá-las.

Já não conta o passado triste das mães que voltavam das prisões sem nunca mais ver os filhos. E que jamais os verão. Dos pais impotentes em busca dos que desapareceram para sempre. Dos injustiçados.

No presente, carecemos de derramar a lágrima contrita do perdão. Passou o pesadelo. Há felicidade nos semblantes, nas ruas, nas feiras. O povo ri. Anda sorrindo, encontrando-se. Sarney pode não ser o poeta maior. Mas com seu gesto rimou com a vontade popular, lavrando os mais lindos versos da Nova República, convocando a todos para a claridade das auroras. Só os poetas carregam a magia de acordar a alma das massas. A poesia fez o que as armas e a opressão não conseguiram: transformar o Brasil na imensa festa da participação.

É tempo de lágrimas de regozijo. Lágrimas emocionadas. Até os economistas e as pedras estão chorando sem acanhamento de mostrar sua emoção. Até eles choram de contentamento! Estamos de alma exanguada.

Maria Conceição — da terra de Cabral — chorou por nós todos. Na felicidade de assistir o Brasil de alma redescoberta.

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).