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Aposentadoria do Trabalhador Rural

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1995

                Somos uma sociedade de maledicentes: todo político está envolvido em falcatruas; todo médico só pensa em dinheiro; todo juiz é preguiçoso e propineiro; todo advogado é ladrão; todo funcionário público é indolente e corrupto; todo policial é facínora; toda empregada doméstica é ladra; todo jornalista se vende; todo empreiteiro faz parte de uma quadrilha. Generaliza-se, quando existe muita gente séria.

                A mídia tem culpa nesta distorção, pois dá preferência aos escândalos, transferindo à sociedade a ideia de que tudo está podre. Propala-se pouco o que acontece de bom.

                Daí o INSS andar sempre presumindo fraudes contra os trabalhadores rurais. As enxundiosas aposentadorias acobertam-se nas leis elaboradas pelos próprios beneficiários ou influenciadas por eles, que nada sofrem.

                Quando chega a vez da categoria mais fraca do interior, a corda quebra. Que há irregularidades e fraudes, ninguém as nega. Mas praticadas pelos ladinos da cidade — os intermediários —, que ganham comissão, aproveitando-se da ignorância do roceiro, incapaz de explicar-se nas repartições públicas.

                O INSS deve levar em conta que poucos macaqueiros têm carteira assinada; quase todos não possuem a de identidade; a de reservista nem se fala; e um número considerável sequer é registrado.

                Quando muito, foram batizados em uma paróquia distante, cujos livros estão no arcebispado, mais longínquo ainda. Não fosse o cristão esforço dos padres para dar as buscas, seria ainda pior. Mas nem sempre os aposentandos podem ir buscar o batistério. São os mais velhos, já doentes, finando-se no nomadismo em busca de trabalho, não dispondo de dinheiro para o transporte.

                O ministro Stephanes, da Previdência, ligou os elos quebrados dos seus serviços e aposentou-se. Só faltou contar o tempo de escoteiro e em que jogou pelada na praia. O trabalhador rural, às vezes, começa a lida aos 3 anos e vai aos 65 no cabo da enxada. Não aguenta mais o tranco no eito. Procura a cidade. Vai viver de biscate ou esmola. Fica difícil fazer prova do seu tempo de serviço (já com direito adquirido para a aposentadoria), pois passa a ser considerado trabalhador urbano. Ninguém se interessa em examinar a prova do seu passado. Mas até suas mãos, iguais a cascos de animal, o diferenciam das mãos de pelúcia dos espertos.

                Quando suspendem aposentadorias, já em vigor, e dão prazos para regularizá-las, os coitados nem sabem — muitos estão nas brenhas dos municípios. Começam a passar fome, na mais absoluta desgraça, depois que perdem o benefício, por meras irregularidades sanáveis, mas que os insensíveis (ressalvando-se os bons funcionários) preferem colocar na estatística dos escândalos, para mostrar serviço.

                Mais humanismo e compreensão para com os trabalhadores rurais! Diria até piedade.

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).