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Ainda a constituinte

Euclides Neto

Folha do cacau - Camacan - BA - 1986

 Receamos pela escolha dos constituintes. Vivemos o tempo em que o interesse de grupos econômicos sobrepuja o espírito público dos candidatos. Podem dizer: sempre foi assim — a economia domina os passos do homem. Mas, hoje, há uma ordenação, um planejamento bem elaborado — até com os geniais computadores — com o fito de assaltar o poder, sempre favorecendo o chamado capitalismo selvagem, que briga entre si, engalfinha-se, morde, chifra. Contudo, no momento de defender a manada, vira um bloco granítico. E disso já está dando mostras agora. São os próprios empresários de São Paulo que alardeiam o desejo veemente de eleger os seus deputados para elaborarem uma constituinte de encomenda. Até aí — admitamos, por absurdo — tudo bem: todas as classes têm que estar representadas. O grave é que para chegar a tanto, compram consciências, corrompem, aproveitam-se da miséria, prostituem o que o País possui de mais saudável — a esperança do povo.

Já sentimos no ar o azinhavre amargo dos que prometem dinheiro (e dinheiro aqui é sinônimo de emprego, empréstimos bancários, estes na moda desde as últimas eleições) no leilão do voto. A multinacional (a mais perigosa por ser inescrupulosa e preparada) já deve trazer o plano arquitetado pela CIA. Raciocinam assim: pagaremos ao deputado federal Belisário da Costa Paladino a quantia de x. Em seguida, espalham a notícia de que a campanha para eleger um constituinte custará tantos bilhões, afugentando, de logo, os de menos recursos ou sem eles, quase sempre os melhores candidatos. Depois o Belisário escolhe os seus “de rancho” — os estaduais — sempre buscando filhos de fazendeiras ricos, comerciantes bem-sucedidos, de famílias, enfim, que, tendo suas vaidades consumistas satisfeitas, partem para o orgulho de ter um filho deputado (antigamente toda família que se prezava queria ter um padre). O deputado estadual, então, caça os vereadores. E estes, nem sempre bem formados, carentes de recursos, comumente, vendo o banquete dos outros sem dele participar, ou ambiciosos mesmo, ou desejando cargos, ou pretendendo se assegurar no que já possui de favor, ou tentando arranjar mais um emprego para si ou gente ligada, envolve-se na tramoia, justificando o gesto com a triste desculpa: se todos estão comendo, por que eu vou ficar de fora?

Assim é que o eleitor, coitado, o homem simples, o trabalhador incauto, deixa-se levar e, a troco também de qualquer promessa ou de simples gole no botequim, entrega o seu voto como a mocinha humilde, sob promessa, cede ao esperto, para depois verificar que foi traída e, logo, abandonada. Sabemos que os Secretários do Estado, além dessa bandalheira, se desencompatibilizam a fim de concorrerem ao pleito. Porém, deixam nas cadeiras os continuadores do trabalho imoral do aliciamento, menos comprometidos com a probidade, pois se constituem em meros paus-mandados, podendo livremente continuar recebendo os dez por cento — a título de bola, suborno —, liberados para ajudar a campanha como se isso estivesse escrito na constituição.

Agora, perguntamos qual o compromisso que terá esse tipo de deputado para defender uma constituinte em favor do povão (o que vive de salário e não assalaria a outrem)? Vão defender a quem? Antes de eleitos, já foram corrompidos e corromperam, venderam-se, despiram-se de qualquer senso moral. Depois é o vale-tudo.

Perdemos a fé? Não. Vamos lutar contra isso. Vamos ver se abrimos os olhos dos inocentes úteis que servem de andaime à escalada da imoralidade.

E com a esperança de que a força do bem e do justo poderá viver aprisionada durante muito tempo sob os piores regimes, mas um dia se liberta, agiganta-se e vira a revolução do povo. Confiemos que ainda sofremos a convalescença do negócio de 64, quando até os bancos oficiais só financiavam os que se vendiam através dos empréstimos, levando-os, a eles bancos, após as eleições, ao estado de falência, e os seus gerentes (iludidos, coitados!) e diretores a marginalizarem-se, quando não sofriam demissões e remoções para lugares indesejáveis. Não querem promover a riqueza e o bem-estar social: optam pela politicalha safada.

Tenhamos fé até o fim. Se tudo não der certo, a vitória será no amanhã. E se não houver o amanhã, podemos ser derrotados, mas cumprimos nosso dever.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).