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A Hipocrisia

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1994

 

                Imaginemos a foliã assanhada e bonita, aproximando-se de Itamar para o beijo e o abraço, e ele, tirando o rosto, afasta-a com o dedo em cruz: — Vai-te, Satanás!

                Aí, sim, no dia seguinte, a maledicência zombaria da sua competência masculina, apupando-o pelo fastio.

                Aconteceu que, nas labaredas do Carnaval, com todas as diabas soltas na avenida, mostrando pomos túmidos, glúteos generosos nas ondas da sensualidade, aparece Lilian. Na empolgação dos tambores ancestrais, acordando os instintos selvagens, o cidadão retribui o ósculo e o amplexo com certo entusiasmo.

                Não podia ser um cumprimento de pêsames. Ninguém deve julgar sem se colocar no lugar do acusado. Não me venham, os varões de Plutarco, com essa moralidade cinzenta. Querem um presidente hipócrita e metido a rei, afastado do povo. Não suportam a faixa presidencial no meio da multidão.

                Fuçam a vida de Itamar em busca de uma desonestidade. Nada encontram. Cansam. Desistem. A raiva aumenta. Aí exigem dele um detector de calcinhas. A fotografia publicada mostra a pequetita saia branca ressaltando um bicho peludo e negro no lugar respectivo. Foto tirada de baixo para cima.

                Já pensaram se o Excelentíssimo Senhor Presidente fosse obrigado a abaixar-se, curioso, para saber se todas as saiúdas que o cumprimentaram naquele dia estavam ou não portando a insignificante indumentária? Aí, sim, seria um escândalo.

                No desfile, era também a nudez de corpos e movimentos. No esfregaço da concupiscência, deleitando os moralistas, os que vão para as camas adúlteras, que assistem a filmes degenerados, que corrompem auxiliares. Enfim, os fariseus que não podem jogar pedra em Madalena.

                Como é tolice acusar o presidente por apoiar FHC. Pode não ser o candidato certo, mas é um direito seu. Os hipócritas não se acostumaram com a franqueza e a lealdade. Preferem a felonia, a tapeação, a mentira. Itamar não se diz magistrado nas eleições, como os outros, em uma deslavada mentira. Afinal, é hora de mais sinceridade e menos hipocrisia nos atos políticos.

                E grandeza, que não falta em Itamar, quando veta estúpidos artigos da lei de reforma agrária, prende sonegadores, aceita a proposta de adversário político e nomeia um deles, o Betinho, para dirigir o programa contra a fome. Quando humaniza a Previdência, quando pretende cobrar impostos dos grandes. Quando pega o País com crescimento de 0,83 negativos e o eleva para 5 positivos. Quando não lhe podem acusar de corrupto chifrudo, pederasta, passam a chamá-lo de lúbrico e incapaz.

                Querem que da noite para o dia resolva as desgraças que os seus acusadores fizeram no Brasil. Preferem o que rouba e diz que faz, mesmo que sejam obras eleitoreiras, multiplicadas pela mídia paga com a fome do povo. Sou mais o autêntico Itamar e menos seus detratores hipócritas que, na falta de ideias e um programa sério, usam a ausência de uma calçolinha.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).